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Um Orçamento com muita falta de saúde

O Governo prevê neste Orçamento de Estado para 2018 que na Despesa Total Consolidada se verifique uma redução das transferências para o SNS de 51,3 milhões de euros, de 8.478,7 milhões, em 2017, para 8.427,4, em 2018, o que corresponde a uma variação negativa de 0,6%.

Não se pode, contudo, em meu entender, deixar de considerar que estas previsões orçamentais podem não se revelar suficientes para fazer face ao aumento da despesa que se registará no setor da saúde em face do previsível aumento da despesa com pessoal, bem como do crescimento significativo das dívidas a fornecedores, designadamente por parte dos hospitais do SNS.

Com efeito, apenas para referir as recentes negociações com os sindicatos de enfermagem, o Governo estima um «impacto orçamental na ordem dos 200 milhões de euros» apenas com o referido grupo profissional, não tendo para já sido quantificados os impactos com a aplicação do horário de trabalho semanal a cerca de 9 mil enfermeiros que se encontram em regime de contrato individual de trabalho, nem os previsíveis aumentos de despesa resultantes das negociações laborais, designadamente, com os sindicatos médicos e de técnicos de diagnóstico e terapêutica.

Acresce que, de acordo com a última Síntese de Execução Orçamental disponível, o saldo global do SNS se situou, em setembro de 2017, nos -133,8 milhões de euros, um agravamento de 22,6 milhões de euros face ao período homólogo e de 20 milhões face ao mês anterior. Já o montante dos pagamentos em atraso dos hospitais EPE do SNS ascendeu, em setembro passado, a 961 milhões de euros, um aumento de 250 milhões face ao período homólogo e de 58 milhões em relação a agosto de 2017. Uma grande conjugação de esforços para não correr nada bem!

A auditoria independente

O Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas ao acesso a cuidados de Saúde no SNS, recentemente publicado, evidencia duas conclusões muito preocupantes, em primeiro lugar a degradação do acesso dos utentes a consultas de especialidade hospitalar e à cirurgia programada e, em segundo, a existência de «práticas de falseamento» de indicadores de desempenho por parte da ACSS, em especial no ano de 2016.

Mas mais grave ainda, o Tribunal de Contas, entidade independente, conclui mesmo que só em 2016 foram cancelados 98 mil pedidos de consultas e que 2.600 doentes morreram antes de ser operados. Nada que o grupo parlamentar do PSD não tenha denunciado há meses atrás a propósito de um “apagão” de 1.200 doentes das listas de espera no Hospital Amadora/Sintra, na especialidade de Ortopedia. Claro que na altura ninguém ligou.

Mas agora é o Tribunal de Contas quem afirma, sem sombra de dúvidas, que houve efetiva adulteração das listas de espera para consultas e cirurgias programaras. Leu bem, é mesmo assim… Sem pingo de vergonha!

Desconfiança

Os portugueses são generosos. Aquando da tragédia de Pedrógão Grande entidades privadas e cidadãos anónimos angariaram 15 milhões de euros em donativos que o Governo rapidamente em parte deles se “apropriou” para alimentar um tal Fundo especifico para acorrer à calamidade. O dinheiro, esse, é que continua a não chegar aos familiares das vítimas. Pior, o Governo desviou verbas significativas desses donativos para subsidiar os hospitais de Coimbra, verba que deveria sair do Orçamento do Estado e não dos donativos dos portugueses que objetivamente tinham outros destinatários. Nova tragédia se abateu sobre o país. Desta feita os portugueses foram mais contidos nas suas ofertas. Ainda que absolutamente incansáveis nalgumas zonas do país. É compreensível. Simplesmente deixaram de confiar num Estado, mas sobretudo num Governo que é totalmente incapaz de cuidar da generosidade gratuita.

Por: Ângela Guerra

* Deputada do PSD na Assembleia da República eleita pelo círculo da Guarda e presidente da Assembleia Municipal de Pinhel

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