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Um OE histórico

Quem imaginaria algum tempo atrás um Orçamento de Estado (OE) simultaneamente aprovado pelo PCP e aceite pela Comissão Europeia? Quem imaginaria que seria o PCP, junto com o BE, a aprovar um OE em tempos de Europa austeritária, conseguindo fazer prevalecer a aprovação democrática sobre a política do ditame e da ameaça que ajoelhava o país. E quem imaginaria até há bem pouco tempo que a governação credível do país seria garantida por um arco composto pelo PS, pelo BE e pelo PCP? Estão de parabéns estes protagonistas de uma governação que, sabendo fazer compromissos, sabe orçamentar e devolver às pessoas o rendimento subtraído pela austeridade. Uma governação levada tão a sério quanto o trabalho de oposição nos últimos anos. A democracia portuguesa pode ter muitos defeitos, mas tem também méritos inspiradores. Conseguir-se este Orçamento de Estado é um deles. Para Portugal, mas também para toda a Europa.

E não, com este OE não se trata de trocar a austeridade de direita por uma austeridade de esquerda. “Austeridade”, no contexto político em que estamos há anos, designa uma política de sacrifício e incapacitação da sociedade portuguesa. O OE 2016 não faz isso. Pelo contrário, devolve capacidades, remove vulnerabilidade, mas de uma forma sustentável. E para isso fez escolhas de esquerda: devolução de rendimentos e impostos mais justos. É bom notar que os impostos indiretos que aumentam são sobre automóveis, sobretudo poluentes (que importamos da Alemanha), sobre tabaco, álcool, e combustíveis. O IVA sobre a restauração baixa. A progressividade dos impostos diretos sobre o rendimento aumenta. No que respeita à função pública, o executivo manda os serviços do Estado fazer, no prazo de seis meses, «um levantamento de todos os instrumentos de contratação utilizados pelos serviços, organismos e entidades da Administração Pública, nomeadamente com recurso a contratos emprego-inserção, estágios, bolsas de investigação ou contratos de prestação de serviços». Este é o sentido certo. A precariedade é uma inequívoca forma de violência social que a função pública tem de repudiar das suas práticas de contratação. E não havendo uma clara indicação governamental de que não se negoceia precariedade, a tendência manter-se-á porque é sistémica. O Estado tem de dar o exemplo.

Em suma, temos, como talvez ainda não se tenha visto nesta UE há muito tempo, um Orçamento, declarada e claramente, não neoliberal.

Entretanto, a direita na oposição reage. Há algo de caricato na seriedade chocada de Portas a queixar-se dos impostos previstos neste OE. Mas o importante é notar os factos. Por exemplo, o seguinte: no Programa de Estabilidade (2015-2019), que o anterior Governo de Passos e Portas apresentou a Bruxelas, previa-se para 2016 uma carga fiscal ainda maior do que a aplicada aos portugueses em 2015. E certamente maior do que a deste OE que a maioria de esquerda agora aprova. As coisas mudam e para melhor.

Por: André Barata

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