«A França está em guerra», proclamou François Hollande depois dos ataques terroristas da sexta-feira, 13 de novembro, em Paris. George W. Bush reagiu da mesma forma quando, em 2001, decretou guerra ao terrorismo. Antes da guerra seria bom saber como a combater. E como ensinou Sun Tzu, conhecer o inimigo é uma regra fundamental.
Porque ao contrário do que veiculam as tentativas de descredibilização do Daesh, esta organização radical sunita é profundamente religiosa. Barack Obama, talvez na sua maior falha em termos de política externa, foi um dos que subestimou o Daesh defendendo tratar-se de um bando de assassinos que não representa o Islão. Mas como contou Graeme Wood na “The Atlantic”, o Daesh representa uma interpretação ultraconservadora e ortodoxa do Corão e defende que qualquer inovação a este coloca em causa a sua perfeição inicial.
Esta organização extremista revê-se na ala fundamentalista sunita designada de salafismo, em que o dia-a-dia é regido pelo exemplo de Maomé, que viveu entre os anos de 570 e 632. O Daesh quer recuperar para os dias de hoje os costumes e práticas da época medieval. Distantes da civilização ocidental? Claro, mas profundamente arreigados a uma interpretação radical da fé islâmica. E ao contrário da al-Qaeda, cuja ação sempre assentou em objetivos políticos como a expulsão dos infiéis da península arábica, o Daesh age em função do apocalipse e crê no Fim dos Tempos.
Por outro lado, também é preciso olhar para dentro. Para o chamado mundo ocidental. Para a Europa. Como escreveu Robert Skidelsky, em grande parte do ocidente perdeu-se a crença num futuro melhor para a próxima geração. Ao mesmo tempo assiste-se à implosão do Estado Social e ao agravar das desigualdades. O Daesh vê nesta vulnerabilidade ocidental campo aberto de recrutamento e de disseminação ideológica. Sim, porque além da ideologia, o Daesh tem um objetivo. Que está mais ou menos consolidado com o estabelecimento de um califado (que já funciona como um proto Estado no Iraque, na Síria e em pequenas bolsas territoriais no Líbano) onde vigora “o pura” islamismo.
Na verdade ninguém sabe como fazer esta guerra. Diverge-se sobre a necessidade, ou não, de “botas no terreno”. Uma coisa é certa, ao contrário da al-Qaeda, que podia e pôde, embora enfraquecida, prosseguir a sua ação na clandestinidade, o Daesh tem e gere um território (de extensão idêntica ao Reino Unido) sem o qual não faz sentido. E só aí pode efetivamente ser derrotado.
Mas primeiro é preciso desemaranhar o novelo de interesses contraditórios sublimados pela guerra civil entre Assad e a oposição mais ou menos moderada e que é já uma luta pela supremacia regional entre xiitas (Irão e o libanês Hezbollah) e sunitas (Arábia Saudita e Qatar). E cuja simultaneidade criou um novo palco de enfrentamento entre Washington e Moscovo. Só depois de conciliar os seus interesses é que a comunidade internacional pode e deve agir. Até lá, por cá, na Europa, teremos de nos habituar a um novo conjunto de restrições à liberdade. Enquanto isso o Daesh persistirá.
Por: David Santiago