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Um grande português (e beirão)

Editorial

Quando algum amigo, ao regressar do estrangeiro, me diz que as pessoas com quem falou não sabiam onde era Portugal tenho a inútil indelicadeza de lhes dizer que andam rodeados de ignorantes. E quando me dizem, como tantas vezes ouvimos, que «os americanos» pensam que Portugal é uma província de Espanha, sou obrigado a retorquir que esses são americanos iletrados. Somos um pequeno país (ou simplesmente um jardim à beira-mar plantado), cuja dimensão é muito inferior à relevância internacional conquistada, ainda que nem todas as pessoas do mundo saibam que existe. (Podemos fazer um exercício ao contrário, por exemplo, quantos de nós sabem o nome da capital do Cazaquistão, tão na moda como capital da arquitetura? Ou em que país fica o Dubai, o excêntrico destino turístico para onde voam milhares de portugueses por estar na moda?)…

A “marca” Portugal pode não ser universal mas qualquer pessoa letrada, no mundo, sabe que é um estado secular, na Europa, na Europa desenvolvida, ainda que tenhamos sempre de ouvir essa ladainha “tuga” de que é um país “terceiro-mundista” e atrasado.

Portugal já não é o império, que ia do Minho a Timor, e muito menos o Reino que em Tordesilhas dividiu o mundo com os castelhanos – dividindo as terras descobertas e a descobrir – deixando um legado extraordinário à humanidade, e que qualquer pessoa com um pouco de cultura, em qualquer parte do globo, facilmente reconhece.

Portugal não ficou perdido na história. E, quiçá, nos seus nove séculos de existência, da afirmação da independência em Zamora, a 5 de outubro de 1143, ou do reconhecimento papal em 1179 pela Bula Manifestis Probatum, ou os anos dos Descobrimentos, Portugal nunca teve tantos momentos de júbilo, tantas razões para a afirmação da nacionalidade, como em 2016.

Para além de outros feitos notáveis que, ciclicamente, o desporto português vai conquistando, e apesar do enorme falhanço nas Olimpíadas do Rio, Portugal sagrou-se com denodo e mérito campeão europeu de futebol (o desporto com mais seguidores na maioria dos países do mundo); Cristiano Ronaldo, justamente, voltou a ser o Bola de Ouro, e isso, não tenham dúvidas é uma “marca” global, o reconhecimento de que Ronaldo é um grande desportista, um grande jogador e que é português… Podíamos acrescentar vários outros argumentos para manifestar o orgulho pátrio e relevar 2016 como um ano extraordinário da portugalidade, mas o mais importante, mesmo, é destacar a tomada de posse de António Guterres em Nova Iorque.

“O beirão nascido em Lisboa” chegou ao patamar mais alto na diplomacia mundial o que, mutatis mutandis, como alguém comentou por estes dias, é estar ao nível de relevância do Papa Francisco. Nunca um português tinha subido uma escada desta magnitude, nunca um português teve este reconhecimento pelos países do mundo. O lugar de secretário-geral da ONU já não tem o impacto e importância nos salões diplomáticos da há alguns anos, mas, ainda assim, António Guterres é “a modos que” o secretário-geral do mundo, e vai ter muito para fazer, na recuperação do espírito das Nações Unidas e na renovação da concórdia e bem-comuns. Por tudo isto, o discurso de tomada de posse de António Guterres era aguardado com grande expetativa. «É altura de os líderes ouvirem», reclamou o novo secretário-geral em Nova Iorque e, depois de apelar à reconstrução da «relação entre os cidadão e os líderes», Guterres falou orgulhosamente do meio ambiente onde cresceu e foi formado, em Portugal, «um país de tolerância, solidariedade» e liberdade». Esse é o melhor ambiente para formar um líder que desde a ONU tem de levar o mundo a ser mais solidário, tolerante e fraterno. Guterres agradeceu a Portugal, agradeceu ao país onde se cresce e vive com valores humanistas consagrados – são como o ar que respiramos. Mas é este país, que este ano tem tantas razões de orgulho, cuja “marca” é cada vez mais universal, que é terra de grandes portugueses, conhecidos ou incógnitos, que elevam o nome de Portugal pelos quatro cantos do mundo. Mesmo quando alguns ignaros não sabem onde fica Portugal.

Luis Baptista-Martins

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