Não somos todos iguais e nem todos tivemos um crescimento tão sustentado como outrora almejámos. Mas o que é que isso importa agora, quando nos fechamos isolados num quarto em amena conversa com a folha branca a quem confessamos as nossas amarguras e, quantas vezes, os nossos pecados? Ontem foi assim, hoje é diferente e amanhã…
Volto, delicadamente, às páginas saudosas de um tempo rico em ambições e em agradáveis companhias. Viro, com atenta emoção, as páginas intemporais que me ligam à terra e aos olhos de quem comigo partilhou momentos inesquecíveis. Ao olhar as imagens desse tempo, imagino as tímidas conversas que sempre tive e a admiração pelas aventurosas demandas amorosas que outros então viviam, bem ao jeito da novelística juvenil contemporânea. Ao olhar para esses tempos, âncoras de uma vida, regresso alegremente à companhia de todos aqueles que comigo partilharam a etapa mais fundamental da minha vida académica, aquela que me permitiu (aliás) enfrentar com toda a segurança os tempos da Universidade. E tudo isto ao ritmo efémero de uma valsa vienense em compasso de recordação.
A música, que nos aqueceu os corações, nessa quente noite de Março, é não só uma ilusão mas também uma marca que continuamente nos salta à memória. O “Danúbio Azul”, de Strauss! Lembram-se, colegas de dança? Claro que teve de levar com um pequeno acrescentamento, pois o número de pares que se prontificavam para brilhar era imenso. Não sei como é hoje, mas no ano 2000 acreditávamos que a vida de adulto começava logo ali, naquele momento tão solene e tão digno que merecia de nós a mais respeitosa deferência. Não me lembro do dia, mas sei que a noite estava ligeiramente incómoda, talvez dos nervos à flor da pele que me faziam ter um ligeiro arrepio ao longo da espinha. Tudo ensaiado, a hora de encontro era para aí às 23 horas e 30 minutos, uma vez que nem toda a gente tinha condições económicas para pagar, de uma assentada, o preço do baile com jantar. E, salvo casos muito raros, todos os finalistas estavam religiosamente preparados para dançar minutos antes da meia-noite.
Primeiro acorde! Abrem as cortinas! A emoção começa a apoderar-se dos nervos e o corpo, gélido e impaciente, reage sentimentalmente. Beijos de boa sorte misturam-se com palavras de amor! Mãos apertam-se com suores, ora frios, ora quentes, em comunhão de sentidos! Corações batem, alternadamente, o doce ritmo da alegria e o canto lúgubre da triste partida. O clímax espera ainda, lá ao fundo, quando todos reconhecemos que as últimas notas se aproximam. Os sorrisos aumentam! As lágrimas começam a soltar-se! E a respiração é ofegante, não de cansaço mas de eterna ligação a quem nos acompanhou nesta subida e a quem jamais deixaremos de recordar no nosso coração. Clímax! Apressa-se a última nota, rodopiam os pares à procura da sorte. Cresce a ansiedade e, de forma quase natural, enamoramos a música e pedimos-lhe um último suspiro! Oferece-nos então, qual estrela cadente, o derradeiro lampejo de vida e morre suavemente nos nossos braços a sonoridade que nos faz chorar, ainda hoje. Último acorde!
Fine!
Daniel António Neto Rocha (Ex-aluno da ESAAG)