A cantiga de amigo que, em tempos remotos, nos ensinaram a recitar no Liceu da Guarda é do rei D. Sancho de Portugal ou de D. Afonso X de Leão? Apesar de hoje estar cada vez mais provado que a mítica cantiga de amigo “Muito me tarda o meu amigo na Guarda” não é do rei Povoador, António José Dias de Almeida acabou por integrá-la no seu recente livro de textos sobre a Guarda. «Para todos os efeitos, a cantiga está colada à Guarda», considera o autor da obra “Guarda Livros – Textos e Contextos”, apesar «das provas apontarem mais para que seja do rei D. Afonso de Leão». Uma dúvida antiga que já remonta ao século XVI, mas, como dizia Fernando Pessoa, «o mito é o nada que é tudo», acrescenta o professor.
Tudo a propósito do livro “Guarda Livros – Textos e Contextos” que vai ser lançado amanhã à noite no auditório municipal. A obra é composta por textos que falam explicitamente da Guarda ou que, de algum modo, sublinham os seus elementos mais simbólicos, seleccionados e organizados por António José Dias de Almeida, professor de Língua Portuguesa. O livro será apresentado por José Manuel Mota da Romana. «A ideia já vem desde as comemorações do 800º aniversário da cidade», explica o autor, mas só se concretiza um ano após a publicação da “Antologia de Escritores da Guarda”, elaborada por Mota da Romana. Esta obra «é uma continuação», embora a perspectiva e os horizontes sejam diferentes, refere António José Dias de Almeida, acrescentando que a sua antologia vai «pescar textos de vários autores que se referem à Guarda». De resto, é uma obra muito ecléctica e variada, com diversos géneros literários, estando dividida em poesia, ficção, diário, epistolografia, roteiros de viagens, memórias, retratos e impressões. «Mas ainda ficaram de lado outras temáticas ou secções que davam para fazer outro livro», admite o autor.
Das várias referências à Guarda, destacam-se as alusões à Sé Catedral ou ao Café Mondego de Osório de Andrade ou a neve na obra de Vergílio Ferreira. Mas “Guarda Livros” abrange várias épocas, «da Idade Média, com a mítica cantiga de amigo, até aos dias de hoje com autores como Manuel Poppe e Américo Rodrigues», refere o professor. Para além desta ordem cronológica, encontramos também autores representados em vários géneros como Vergílio Ferreira, que surge na epistolografia e também no diário graças à sua célebre “Conta-Corrente”. Mas há outros que só aparecem num género, caso de Armando Ferreira, autor com raízes na Guarda, que está representado com uma quadra «cheia de ritmo», salienta António José Dias de Almeida.
No final da antologia é contado um episódio histórico, por Fernão Lopes, que «narra a entrada das tropas do rei D. João I de Castela na cidade», recorda o autor. Revela-se também a visão de Orlando Ribeiro, um geógrafo da Guarda, e acaba com vários extractos do ensaio “Labirinto da Saudade”, de Eduardo Lourenço. Mas como todas as antologias, «há sempre omissões e autores que foram esquecidos», confessa o autor, citando Camilo Castelo Branco ou João Palma Ferreira. Contudo, esta obra é um livro aberto, já que «lança o desafio para esta ideia continuar», sublinha. É que ficaram de fora outros temas, como o jornalismo, «que dava para fazer outro livro» só com textos de jornalistas que passaram pela Guarda, «como Miguel Sousa Tavares, que esteve na cidade e não gostou do que viu», recorda. A sessão de lançamento conta ainda com a apresentação do CD “Guarda – Vozes”, que contém interpretações de alguns textos desta antologia.
Patrícia Correia