A cerca de quatro mil quilómetros de distância, os imigrantes ucranianos vivem de perto os conflitos que marcam o dia-a-dia da Ucrânia e estão receosos com o futuro dos familiares.
São momentos de terror. O medo aumenta e as lágrimas correm enquanto os nomes de quem faleceu nos confrontos da Ucrânia se precipitam diante de Ana Muljavka. «O corpo arrepiava-se todo, custa ver tanta gente, até jovens; tenho um filho com 17 anos, se estivéssemos lá podia ser ele», declara a O INTERIOR esta ucraniana, de 38 anos, visivelmente emocionada.
Quando a lista termina sem a presença de ninguém conhecido, a imigrante radicada na Guarda sente-se ligeiramente aliviada – a mesma sensação que tem quando liga à família e ouve que está tudo bem. O país atravessa uma forte crise política desde novembro, depois do Governo ter suspenso o acordo de associação com a União Europeia, o que motivou diversos protestos e confrontos violentos, tendo resultado em centenas de mortos. Deste lado da Europa, a preocupação é constante: «Enquanto não sossegar lá, nós aqui também não, estamos solidários», afirma a empregada de limpeza, natural de Lviv, onde tem família: «No último mês falámos quase todos os dias», adianta, dizendo que não é possível trazer ninguém: «É preciso documentos e tem de ser na capital, mas lá está tudo complicado», evidencia.
Ana Muljavka saiu da Ucrânia em 2001, pois «eu e o meu marido éramos enfermeiros e nem conseguíamos dar de comer aos filhos. Saímos para procurar outra vida e ajudar os nossos pais», afirma. «Na Ucrânia não há classe média: há pobre, muito pobre e rico», sublinha a imigrante, reiterando que «as pessoas revoltaram-se porque não conseguem aguentar a pobreza». Já em relação à situação da Crimeia, que no domingo votou favoravelmente em referendo a “mudança” para a Rússia, Ana Muljavka é peremptória: «Não queremos a Ucrânia dividida como a República Checa», afirma, ressalvando que o território tem «gás e petróleo, então a Rússia quer aproveitar». A situação é tema de conversa recorrente com outros imigrantes, unidos na dor e na impotência de não poderem fazer nada: «Há quem tenha filhos na Ucrânia e diga “tu tens sorte, o meu filho já recebeu uma carta da tropa e podem chamá-lo”», refere.
«Não é a revolução dos “pobrezinhos”»
Irina Shevchenko, de 45 anos, e Angela Guchko, de 44, são naturais de Dniepropetrovsk, de onde saíram há 12 e 8 anos, respetivamente. É pela Internet que assistem ao que se passa. «A Angela deu-me um site que estava em direto de manhã à noite», recorda a primeira, declarando que «falamos com a família, sendo que lá nem sempre falam verdade». Angela Guchko concorda: «Ali vemos o povo, preferimos assim, pois no início alguns meios de comunicação da Ucrânia mentiram», declara. A luta é por um país mais justo: «Querem mudar de vida porque é muito duro, há muita corrupção e já estão a pensar no futuro dos filhos», critica Irina Shevchenko, que era engenheira mecânica antes de emigrar. A empregada de limpeza na Guarda confessa que saiu porque «perdi a paciência, lá não se vive, sobrevive-se, a vida é má e o presidente não pensava no povo». Já Angela Guchko, que se formou em engenharia química, é mais crítica: «Viktor Ianukovich e a família estavam no poder e controlavam tudo», garante a doméstica, para quem «esta não é a revolução dos “pobrezinhos”. Há médicos, professores e gente educada».
Mais delicada é a questão da Crimeia: «Antes, pensava que era melhor a Ucrânia juntar-se à Rússia, mas hoje já não, pois querem aproveitar a nossa fraqueza», acredita Irina Shevchenko. O tema sobressalta Angela Guchko: «A Rússia pode querer outras partes do país e tenho medo», admite, sublinhando que «não dormirmos, choramos, é muito triste». «Estamos muito preocupados porque é o nosso país», confessa Irina Shevchenko.
Sara Quelhas