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Turma A

Fiz o “ciclo” (actuais 5º e 6º anos de escolaridade) há mais de trinta anos na escola General João de Almeida. Fiquei na turma F, que o meu pai não era nem advogado, nem médico, nem engenheiro nem coisa que o valesse. Se o fosse, tinha ficado nas turmas A ou B. Teria tido como professores os melhores da escola e como colegas os mais aptos. É claro que as coisas nem sempre funcionavam assim e acontecia que podíamos ter professores tão bons como os das turmas das “meninas amélias” (era assim que lhes chamávamos) e que das outras, das desprezadas, podia sair uma geração surpreendentemente capaz (por exemplo os meus colegas Rogério, Américo Rodrigues, Joaquim Brigas). Mas a ideia não era essa. A ideia era, através da segregação, a criação de uma elite à custa da condenação da maioria à mediocridade, a desistência do futuro de muitos em benefício dos luxos de alguns.

Admito que seja necessária a excelência. Mas acredito ainda mais que se fossemos todos um pouco melhores, essa melhoria geral compensava a falta de alguns muito superiores à média. Por outro lado, há sempre outros meios para se criarem as necessárias elites. Nos Estados Unidos, por exemplo, haverá sempre Harvard, ou Princeton, ou Stanford, para contrapor a uma pletora de viveiros de mediocridade. Ou o Massachusetts Institute of Technology (mais conhecido como MIT). Está bem o governo em querer para Portugal um ensino de excelência e o acordo com o MIT (uma das dez melhores escolas do Mundo) é um importante passo nesse sentido. Sócrates não contava era com as capelinhas, com as pequenas e mesquinhas, e portuguesas, rivalidades entre escolas. Não contava que a Católica não quisesse misturar-se com a Universidade Nova, por exemplo, e que todas essas pequenas e sórdidas coisinhas tenham chegado a pôr em causa, segundo o “Público”, todo o processo.

A necessidade de excelência, ou ao menos de subida geral da qualidade é cada vez mais o tema do dia. A diminuição da população activa coloca nos ombros desta, nos países desenvolvidos, um fardo acrescido de produtividade. Recordava-se, num dos leaders da Economist da semana passada, que em países como a Alemanha, o Japão, a Itália, o número de pessoas em idade activa (entre 15 e 64 anos) irá diminuir até 2025 entre 7 (Alemanha) e 14 por cento (Japão). O futuro é, então, dos produtivos, dos talentosos, daqueles que são superiores à média. A solução para Portugal, por isso, tem de passar pela melhoria geral da educação e da formação, pelo investimento cada vez maior das empresas no capital humano, pela criação de bolsas de excelência.

É por isso interessante a manutenção de duas realidades arcaicas em Portugal, não necessariamente antagónicas entre si, a das capelinhas e a das turmas A e B. Ambas procuram a excelência de forma enviesada, não pela busca do bem comum mas pela manutenção de privilégios que permitam a uns sobreporem-se aos outros, mesmo que através do recurso à batota. Não pelo valor intrínseco de cada um, pelo que ele pode oferecer à comunidade, mas pelo valor dos seus genes. É interessante e é uma vergonha, é a antítese dos valores republicanos de que falava recentemente o insuspeito Cavaco Silva.

Sugestões

Um livro: Da Democracia na América (Alexis de Tocqueville,Principia – Publicações Universitárias e Científicas, 2001). Outra vez e sempre.

Um paradoxo: George W. Bush licenciou-se em Harvard.

Por: António Ferreira

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