Arquivo

Tudo na mesma

Editorial

1. De acordo com os dados do Boletim Estatístico, publicados esta semana pelo Banco de Portugal, vemos que as empresas e as famílias já fizeram o ajustamento e baixaram o seu nível de endividamento. O peso da dívida das empresas privadas no PIB baixou de 155% em 2013 para 142% em 2014; o total do endividamento dos particulares desceu de 91% do PIB no final de 2013 para 85% em 2014. No caso das empresas, o indicador tem ainda maior relevância, pois, desde o eclodir da crise financeira internacional, 2014 foi o ano em que o sector empresarial atingiu uma percentagem do PIB mais baixa; já as famílias, nomeadamente pela drástica redução de crédito à habitação, o nível de endividamento desceu para valores “normais”. O problema é a dívida do Estado. A dívida pública fechou o ano de 2014 nos 128%, acima das previsões do governo e subindo em relação ao período homólogo. Ou seja, depois de todo o ajustamento e exigências da “troika”, o Estado português continua a não controlar a despesa e a ter necessidade de recorrer ao endividamento. Depois de um ciclo de ajustamento, de empobrecimento generalizado, com enormes sacrifícios, com mais desemprego, com 400 mil novos emigrantes que partiram, com a economia parada, sem investimento público e problemas em todos os sectores, o país continua na dependência externa e sem baixar a despesa pública. Podemos até assumir que são aspetos contabilísticos que exprimem estes resultados, mas custa perceber que afinal tem valido de pouco o esforço coletivo para onde fomos empurrados.

2. Estranhamente, o governo português terá sido juntamente com o espanhol o mais renitente em relação a um novo apoio à Grécia. Não se tratou de falta de solidariedade, mas de um instinto de sobrevivência de Passos Coelho que, percebendo as consequências do abandono da política de austeridade em ano eleitoral, prefere que a Europa mantenha a exigência de rigor e exija o cumprimento de todos os memorandos que determinem a austeridade. Passos Coelho quer ter razão e só defende um caminho (e até chegou a anunciar que iria além da troika), por isso, agora, não tem condições para se desdizer em relação à necessária “espiral recessiva” e tem de manter o rumo trilhado. Muito mais do que exigir à Grécia o que quer que seja, Passos Coelho ambiciona que a Europa respalde a sua linha, o seu caminho e as suas escolhas.

Na verdade, o que a Grécia conseguiu até agora foi pouco mais do que ganhar tempo – e acreditar que a Europa tremeu perante o estilo de Varoufakis é não perceber o que Manolis Glezos, um dos mais veteranos do Siryza, viria destapar: chamar à “troika” instituições, transformar o memorando em acordo e chamar aos credores de parceiros «modifica tanto a situação em que nos encontramos como passar a chamar carne ao peixe». Falta saber até onde o governo grego irá nas reformas exigidas, mas já se percebeu que não irá muito longe sem o dinheiro dos «parceiros» e pouco poderá fazer se as «instituições» não o permitirem. No final, os gregos vão ter de ceder às exigências externas, Passos Coelho vai respirar de alívio por a sua política continuar a dominar na Europa e o povo, o grego e o português, vai continuar cabisbaixo à espera de melhores dias.

Luis Baptista-Martins

Sobre o autor

Leave a Reply