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Trilogia perfeita

observatório de ornitorrincos

(Onde o autor desenvolve raciocínios absurdos sobre os três temas mais importantes para uma parte significativa da Humanidade: a bola, as saias e os livros.)

Amanhã começa na Alemanha mais um Mundial de Futebol. Já aqui escrevi que o futebol é um desporto jogado, pensado e discutido com os pés. Tenho lido alguns colunistas argumentarem que o jornalismo desportivo português é mau porque não questiona nada e limita-se a ser cúmplice da Federação e dos clubes. Mas não é verdade. Assim é o jornalismo geral em Portugal. O desportivo é péssimo porque além de acéfalo acredita em bruxas – e que a selecção nacional é uma excelente equipa e vai fazer grande coisa no Mundial. Eu não digo que Portugal não pode chegar à final do Mundial. Eu só digo que não consegue. Não sou um derrotista. Sou apenas um tipo simples que já olhou para a grelha das eliminatórias e descobriu facilmente que Portugal, se se livrar de angolanos, iranianos e mexicanos no grupo, joga nos oitavos-de-final com a Argentina ou com a Holanda. E desta vez o jogo não é em Lisboa. Se o governo está mesmo empenhado no sucesso da selecção podia anunciar hoje ou amanhã o perdão de 20% da dívida de Angola por cada golo de diferença no jogo de domingo. Assim, se Portugal ganhasse por 5-0, a dívida ficaria perdoada e se ganhasse por seis ou mais passávamos a ser nós a dever dinheiro. Contra o Irão, basta Freitas do Amaral dizer uma atoarda do costume contra os EUA para os defesas persas deixarem Figo e Ronaldo driblar à vontade. Entretanto, Cristiano Ronaldo afirmou que está muito excitado com a aproximação do Mundial. De forma surpreendente, o alvo dessa excitação não foi Merche Romero mas um jogador cabo-verdiano. Mais um caso de biodiversidade.

Em Itália, um padre quer impedir as raparigas de frequentar a igreja vestindo roupa curta e ousada. Para isso, colocou à porta um anúncio que diz “Deus já sabia como era o teu umbigo mesmo antes de teres nascido, por isso não há necessidade de o mostrares na igreja.” Bem pode o Papa questionar o silêncio de Deus em Auschwitz, que o que nos interessa é saber de que forma é que Deus conheceu todos os umbigos de todas as moças, ainda por cima sendo elas italianas. Assim não admira que ande caladinho. E também gostávamos de saber se há maneira de conseguirmos um emprego parecido com o d’Ele. Mas note-se que esta atitude do clérigo italiano tem pouco de católica. O catolicismo romano não advoga a relação directa do crente com Deus, mas sim um espírito de comunhão e partilha da Fé. Ora, donzelas possuidoras de umbigo de mostrar não devem esconder essa dádiva divina do resto do mundo. Até porque muitos deles podem ser considerados excelentes provas da existência de Deus. (Ateus e agnósticos como eu duvidam das suas dúvidas em matéria de fé quando observam colos umbilicais como os de Mónica Belucci.)

O Plano Nacional de Leitura vai pôr os meninos a ler na sala de aula. Para já não se sabe o quê, apenas que os petizes vão ser letrados nos clássicos. Por isso, episódios legendados da Heidi, embalagens de farinha Predilecta e instruções do velhinho Monopoly estão em condições de serem introduzidos no currículo da escola primária. Ouço e leio opiniões que defendem a leitura de Eça, Camilo, Herculano. Mas porquê parar por aí? Aos 8 anos, sonetos eróticos de Bocage (“É pau, e rei dos paus não marmeleiro”) e aos 9, a violência anti-clerical de Filinto Elísio (“Morreu Jesus há mil e tantos anos”). Aos 10, Guy de Maupassant e aos 11, enfim, Marquês de Sade. Sempre são melhores que Paulo Coelho. Saramago pensa que um plano destes não vale a pena porque a literatura é sempre uma coisa para minorias. Tem razão. Aliás, os seus livros, tal como os de Rebelo Pinto e Dan Brown, vendem muito precisamente porque a literatura é uma coisa para minorias.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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