Arquivo

Três dias, três mortes, três vidas

Bilhete Postal

Conheci três pessoas que nasceram iguais como todas as outras. Todos nascemos de modo similar, mais natural, mais cirúrgico, mas sempre nus e pequenos. Somos dependentes na totalidade ao nascer. Trazemos agarrado a nós uma genética pré definida e forma-nos a educação e a circunstância. Somos diferentes se nascemos pobres na Índia ou se nascemos ricos na China.

O Ramão nasceu com uma capacidade de amizade que é rara nas pessoas normais. O Ramão tinha limites na pré-existência. Como todas as crianças assim era protegido pela mãe e chegou aos cinquenta e tantos quase sempre feliz. O Ramão amava os amigos e gostava de os ver. O erro está em nós que acusamos dificuldades com a diferença. Vi-o menos do que devia. Morreu pouco depois de fazer um ano do falecimento da mãe. Costuma ser assim o destino destas pessoas. O Ramão há-de chegar ao céu sem festa, sem grandes manifestações. Ele era bom, infinitamente à espera do amor. Raramente resistem à falta da referência.

Morreu também o Professor Pedroso de Lima. Ouvi de outro Pedroso de Lima uma comovente homenagem e a história do seu percurso. Leu ainda um texto impressionante sobre o abraço, escrito pelo falecido, que nos deixou de queixos caídos. Este Senhor era uma referência na dedicação, na ideia de escola, na força de abrir portas à ciência. Doutorou 21 pessoas na Faculdade de Medicina e deixou a sua obra continuar com a Professora Filomena que já doutorou mais 18. Isto é Universidade. Isto é o processo Escola na plenitude. Ele nunca desistia dos projetos, não abandonava os sonhos e era no seu corpo grande, sua voz de respeito, um perfume de solidariedade e amor. Não invejava, não perseguia, mas empurrava e incentivava. O pai Pedroso de Lima adorava música e desporto. Ouvia os seus discos exóticos e especiais. Adorava o som na sua qualidade física. Morreu um cérebro, rodeado de companheiros e amigos. Há-de chegar ao céu entre bandeiras, fórmulas físicas e hinos académicos.

Morreu outro homem bom. Esse conheci mal, mas vi algumas vezes. Foi-se mais uma referência de Moçambique no futebol português. Mário Wilson deu muitas alegrias nos clubes por onde passou e fez parte desse mundo do espetáculo que são os clubes e os estádios. Três mortes de três percursos tão diferentes, de três seres humanos tão dissonantes, mas todos tão fortes no seu espaço. Mário Wilson é a morte mais visível e chegará ao alto entre adeptos, amigos e cores de clubes.

Fascinou-me esta ideia de como somos diferentes na vida, nós que somos tão iguais a nascer e tão únicos na morte.

Por: Diogo Cabrita

Sobre o autor

Leave a Reply