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Transportes e Desenvolvimento de regiões periféricas na UE

Para além dos três grandes aeroportos em território nacional – Porto, Lisboa e Faro, Portugal dispõe ainda de uma rede secundária de aeródromos espalhada por todo o país. De Norte a Sul, do Interior ao Litoral, são muitas as infraestruturas aeroportuárias que se abrigam em tal categoria. Algumas são asfaltadas, muitas em terra batida, mas todas elas servem propósitos igualmente nobres da chamada aviação geral, desde o lazer e o desporto até ao apoio na vigilância e no combate aos incêndios. Ao contrário do que sucede com os grandes aeroportos do continente – obrigados e abrigados sob diversos planos de intervenção e desenvolvimento, a rede secundária de aeródromos desde há muito que se encontra votada ao abandono. O último documento oficial que a rege – ainda do tempo da extinta DGAC, data de 1984! E mesmo tal documento não pode ser considerado, na sua essência, como um verdadeiro plano nacional, mas antes como um rol de dados estatísticos de interesse prático algo limitado. Não admira, portanto, que muitas destas infraestruturas aeroportuárias se viessem a transformar no decorrer destes 21 anos em outros tantos terrenos baldios. Outras – talvez com melhor sorte, foram aproveitadas por autarquias e/ou por grupos económicos que lhes impuseram diversos regimes de funcionamento de acordo com o grau de sensibilidade revelada para com as especificidades da actividade aeronáutica. O exemplo de Bragança é paradigmático e demonstra como uma gestão equilibrada e eficaz pode colocar um aeródromo municipal ao serviço do desenvolvimento da região onde se insere: a partir de 29 de Julho o interior Norte do país – que já mantinha uma ligação aérea regular com Lisboa, passa a ficar também mais perto de Paris com dois voos semanais. Outro exemplo notável chega-nos do coração do Alentejo: a Sky Aircraft Industries escolheu Évora para instalar a fábrica de aviões Skylander – um investimento de 375 milhões de euros ao longo de dez anos, complementado com a criação de cerca de 950 postos de trabalho. Este projecto implica ainda a instalação de outras sete empresas do ramo aeronáutico na região, francesas e portuguesas, que deverão fornecer cerca de 70% das peças necessárias ao Skylander.

No entanto, exemplos como estes passam quase despercebidos ao cidadão comum. O que hoje importa, o que motiva a abertura dos principais noticiários das cadeias televisivas e o que se transforma em capa dos principais jornais não são tanto estas pequenas/grandes vitórias do interior, conquistadas palmo a palmo com muita determinação, mas antes o tema do novo aeroporto de Lisboa. Este sim: dá pano para mangas, desde as conversas de café aos estudos mais especializados. A facilidade com que se debate este tema reflecte o chamado síndrome OPM – Other People Money: desde que o dinheiro para a construção aparente sair de outro bolso que não o nosso, que venha de lá o novo empreendimento. Os mais cépticos questionam mesmo a necessidade da construção de um novo aeroporto de Lisboa quando o actual já passou por provas de fogo tão importantes como a EXPO 98 ou o EURO 2004. Então, para quê gastar 500 milhões de contos (na antiga moeda) para construir uma nova infraestrutura na Ota – a 40 Km de Lisboa, se com cerca de apenas 50 milhões de contos a actual – no coração da capital, pode ser adaptada para as necessidades da procura ao longo dos próximos vinte anos? De facto, o actual aeroporto (da Portela) pode expandir a sua capacidade para além dos 20 milhões de passageiros se utilizar o espaço contíguo agora ocupado pelos militares no Figo Maduro. Mas também pode desviar para uma das bases militares nas proximidades de Lisboa (Sintra, Alverca ou Montijo) os voos que não necessitem de interligação. Afinal, a construção de um novo aeroporto serve que tipo de interesses: políticos, económicos, ou ambos? E o país está suficientemente bem preparado para arcar com todas as consequências que daí possam advir?

O tema da vigilância e do combate aos incêndios tornou-se incontornável nos dias que correm. Segundo consta, a Força Aérea Portuguesa tem os meios técnicos e humanos adequados a tais operações. Apenas duas questões: quem, e porquê, a impede de actuar?

Uma sugestão de leitura para quem (ainda) está de férias: “Fernão de Magalhães. Para Além do Fim do Mundo”, de Laurence Bergreen, com a chancela da Bertrand. Bergreen refaz a viagem de circum-navegação da Armada de Moluco capitaneada por Fernão de Magalhães – um navegador português que trocou D. Manuel I de Portugal por Carlos I de Espanha, e que alterou o modo como a Europa olhava até então para o Mundo. Para tal, o autor socorre-se do diário do cronista oficial da viagem, de relatos de marinheiros de bordo e ainda de material de arquivo nunca antes utilizado. Mas também se apoia em estudos recentes da NASA sobre condições climáticas e marés para explicar a navegação ao tempo tão peculiar no estreito de Magalhães. Aliás, parece que este tema não surgiu por acaso: numa entrevista recente à CNN de que a Bertrand nos dá conta, Bergreen afirma que os cientistas da NASA empenhados na exploração do sistema solar não cessam de estabelecer paralelos com o espírito e obra de Fernão de Magalhães, realçando que “(…) o impulso da descoberta, por motivos económicos, políticos ou puramente científicos, permanece hoje tão vivo e polémico como no passado”. Afinal, elaborar o mapa do sistema solar e compreender o nosso lugar no Universo pode ser hoje tão exótico como foi para a Europa, no tempo de Magalhães, alcançar as Ilhas das Especiarias.

Por: Jorge Reis Silva *

* Docente do Departamento de Ciências Aeroespaciais da Universidade da Beira Interior

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