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Trancoso, um cenário de História

Foi cenário de casamentos reais, berço de poetas e trovadores, mas também campo de batalhas decisivas para Portugal. Por Trancoso passaram, ao longo dos séculos, alguns dos episódios mais marcantes da nossa História, concedendo-lhe um papel determinante nos decisivos momentos da portugalidade.

O destino de uma nação jogou-se aqui por diversas vezes nesta terra de mitos e heróis, que é hoje o espelho da nossa história. As primeiras referências documentadas sobre Trancoso aparecem no séc. X, a propósito do testamento de D. Flâmula (ou D. Chama), filha do Conde D. Rodrigo, com a doação do castelo e dos bens que aqui detinha. Mas o seu passado é um verdadeiro repositório de acontecimentos.

Terra de fronteira, Trancoso iniciou o seu capítulo na história com os árabes que, em 811, conquistam toda a região para a perderem no ano seguinte na batalha de Vale de Mouro para os cristãos. Estrava traçado o fado da pequena urbe nos anos seguintes, sendo conquistada, perdida e reconquistada aos mouros. Fernando Magno, rei de Leão e Castela, tomou Trancoso em 1033, que passou anos mais tarde, e sem explicações, para o feudo de Afonso VI de Leão. Fernando Magno é não só o primeiro povoador, mas também o reconstrutor da fortaleza, que em 1065 passou a integrar o reino da Galiza, então governada por D. Garcia. Mais de 30 anos depois, Trancoso volta a passar de mãos ao ser entregue a D. Henrique como dote de D. Teresa. À morte deste, a sua esposa entregou a vila a Fernão Mendes, de Bragança e cunhado de D. Afonso Henriques. Os mouros regressaram em 1139, primeiro com Abul Hassan, rei de Badajoz, e depois com o exército de Omar, que cercou a fortaleza e a conquistou arrasando as suas muralhas. E foi este cenário de destruição completa que recebeu D. Afonso Henriques, que resgatou Trancoso aos árabes. É o primeiro encontro com a história portuguesa, uma vez que só depois desta vitória é que o grande guerreiro usou, pela primeira vez, o título de Rei de Portugal. Nada que intimidasse os árabes, que regressam vinte anos mais tarde e tomam a vila. Mas D. Afonso Henriques volta a derrotá-los em 1160, data que marca a doação de Trancoso à Ordem dos Templários.

A importância de D. Dinis

O rei dá-lhe finalmente foral e determina o seu repovoamento, o objetivo é mais tarde confirmado, em 1217, por D. Afonso II, que concede muitos e novos privilégios para os moradores, o mesmo fazendo D. João I, por carta dada em Évora no ano de 1391. Mas a tranquilidade do burgo voltou a ser interrompida no reinado de D. Sancho I, quando um poderoso exército leonês entrou pela Beira arrasando tudo à sua passagem entre Almeida e Pinhel. O avanço só foi travado pela resistência das praças de Trancoso, Celorico da Beira, Linhares, Algodres e Guarda, culminando na batalha de Ervas Tenras. É D. Dinis quem tem lugar de destaque na história de Trancoso, pois é a este monarca que fica a dever-se a construção das muralhas, a fundação da feira franca de São Bartolomeu, a concessão de privilégios especiais à povoação, que foi integrada no dote da rainha D. Isabel de Aragão, com quem casou nesta vila a 24 de junho de 1282. É o mesmo monarca que, em 1306, institui uma feira mensal em Trancoso que, com o decorrer do tempo, terá evoluído para o mercado semanal. Mais tarde a vila tomou o partido do Mestre de Avis na crise de 1383-85, acabando por ter de defrontar os castelhanos, derrotados, apesar da superioridade em armas e homens, na célebre batalha de S. Marcos, a 29 de maio de 1385. Foi uma das mais importantes da Guerra da Sucessão e levou à debandada dos castelhanos, deixados “a pão e laranjas”. Um feito memorável e precursor da grande vitória de Aljubarrota.

Em Trancoso nasceu o “profeta-sapateiro”, Gonçalo Anes Bandarra, presumindo-se nos inícios do séc. XVI ou mesmo em 1500. Dez anos mais tarde o burgo e as suas gentes são alvo de novo foral, onde D. Manuel I concedeu maior autonomia potenciando a sua expansão económica e a prosperidade dos habitantes. No século XVI, a praça de Trancoso era uma das mais importantes do país, sendo a sua feira a mais concorrida e movimentada das Beiras. Um desenvolvimento que fica a dever-se à importante e influente comunidade judaica, que persistiu até ao século XVII, período de marasmo.

Durante as invasões francesas, entre 1807 e 1813, a vila foi poupada e imediatamente ocupada pelos aliados perante o receio de uma segunda invasão. Em março de 1808 pelo menos 19 casas albergaram as tropas e no ano seguinte o general Beresford estabeleceu em Trancoso o seu quartel-general no coração da vila, num edifício que ainda se conserva e faz esquina com a atual Rua Xavier da Cunha e o Largo Dr. Eduardo Cabral. O exército do general Ney entrou na vila a 16 de setembro, encontrando-a quase deserta e sem víveres. Em contrapartida, o general Wellesley chegou a Trancoso no dia 19 de janeiro de 1810, sendo recebido entusiasticamente.

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