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Toponímia versus troponímias

Seria efetivamente motivo de júbilo a gravação e consequente fixação de nomes de sítios em muitas das localidades da nossa região, através de placas “pretensamente toponímicas”, verificada nos últimos tempos, se tivesse havido as adequadas sabedoria, prudência e reflexão que deveriam ter precedido a escolha dos suportes (materiais e cores), a seleção dos tipos de letra, a pesquisa da origem das palavras, o seu significado histórico e a sua correta escrita.

Era o mínimo que se poderia esperar depois de tantos anos de adiadas expectativas!… O resultado global que se verifica causa quase completa frustração!… Salvo muito escassas exceções. Não será por certo este breve e modesto apontamento o lugar próprio para uma reflexão aprofundada e sistemática de tão importante e nobre tema. Ficará para outra sede e noutra oportunidade. Aqui faço-o apenas por imperativo moral de uma cidadania elementarmente responsável.

Ficamo-nos assim por uma curta e modesta abordagem, necessariamente tópica, que apenas se pretende venha a alertar quem se deveria já ter sentido, por dever de ofício ou por sensibilidade intelectual, na obrigação de intervir.

Eu próprio fico perplexo com a falta de reação pública verificada, sobretudo por parte de quem deveria estar mais habilitado a fazê-lo e com uma autoridade intelectual muito superior à minha modéstia, perante múltiplos e alguns dos mais rudimentares atropelos que quanto a este assunto se constatam.

Em primeiro lugar, atropelos à arquitetura tradicional praticada pelo uso e abuso, em qualidade e em número, de materiais metálicos de cores bizarras e agressivas (vermelho, azul, e outras mais) e pelo uso de mármores brancos ou pretos (como se de monumentos funerários se tratasse), entre os casarios mais antigos nos diversos tons em castanho pardo dos nossos granitos predominantes, que os nossos especialistas em urbanismo tanto querem impor aos privados, em clamorosa contradição com o que eles próprios praticam nestas matérias, como em tantas outras.

Em segundo lugar, atropelos na seleção de nomes novos de significação absolutamente banal para lugares com designações antigas, algumas delas antiquíssimas, que com muita frequência eram as que mais legitimamente consagravam histórias e tradições dos nossos povos, apagando-se deste modo, em muitos casos definitivamente, as fontes que, adequadamente interpretadas, nos poderiam levar ao conhecimento de muitos elementos da nossa essência enquanto povos diferenciados ou mesmo idênticos…

Em terceiro lugar atropelos linguísticos: – Neste tema haverá que ter em conta que na linguagem popular o uso da fonética sobreleva e domina a morfologia, pervertendo bastas vezes e inadvertidamente o sentido inicial dos nomes pelo afastamento do radical e consequentemente da semântica originária… Por outro lado, nem sempre o português correto, da atualidade, conseguirá ser o veículo apropriado para exprimir de forma sintética aquelas significações iniciais que influenciaram os nossos antecessores nas escolhas do “onyma” para cada um dos “topos”, pois podem subsistir topónimos, ainda hoje, com origem nas línguas céltico-lusitanas, no fenício, no latim clássico ou bárbaro, nas línguas godas, no árabe, no galaico leonês ou no castelhano, no português mais arcaico ou com variáveis regionais, impondo assim que tudo deveria ser investigado para este fim.

Por outro lado ainda há que ter em conta que a sonoridade mais agradável que hoje vulgarmente usamos, nesta matéria da seleção e fixação da toponímia, bastíssimas vezes obstrui e oculta, perverte mesmo, a génese do nome original e com a postergação do radical vem inevitavelmente a denegação da verdade do passado histórico que deu origem ao nome em consequência da relevância que o lugar teve para aqueles que, no passado mais próximo ou mais longínquo, lho atribuíram e consolidaram. Desconheço qua haja ciência feita nesta área… mas um pouco de trabalho de investigação, de reflexão e de bom senso histórico-linguístico deveria ter sido feito e deverá continuar a fazer-se sob pena de, com mais frequência do que poderíamos suspeitar, sermos induzidos em erro e denagarmos aleatoriamente preciosíssimos legados dos nossos antepassados.

Em quarto lugar atropelos por omissão: Nestas últimas décadas todos fomos assistindo, ou atuando mesmo, no alargamento dos espaços urbanos. Aqueles espaços que ainda não há poucas décadas eram espaços rurais são hoje ruas, praças e avenidas integradas nas mesmas povoações que então se adstringiam a escassas dezenas de casas. Na periferia destes pequenos núcleos existiram palheiros, eiras, lagares, fontes, vinhedos. Muitos de nós ainda tomámos conhecimento do enorme relevo que tantos destes lugares, onde se mourejava de sol a sol, tiveram na sobrevivência de sucessivas gerações, com hábitos e formas de vida quase imutáveis durante muitos séculos.

Eurico M. Palos, Miuzela do Côa (Almeida)

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