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«Todos os ganhos em termos de direitos conseguiram-se com a luta dos trabalhadores, não resultaram de uma dádiva do poder político»

Cara a Cara – Entrevista: Honorato Robalo

P – Como foi este 1º de maio num ano em que pairam sobre os trabalhadores várias ameaças aos seus direitos?

R – Nesse dia tivemos exemplos concretos de como o poder político está aliado aos patrões, nomeadamente através da abertura de grandes superfícies da Sonae e do grupo Jerónimo Martins. Foi um balão de ensaio para pôr em causa a negociação coletiva, um princípio plasmado na Constituição. Mas, com os sucessivos PEC deste Governo, tem havido várias medidas que põem em causa os direitos dos trabalhadores, afetando sobretudo as camadas mais desfavorecidas. Também o PSD, com o acordo “Competitividade e Emprego”, perspetiva medidas ainda mais graves, nomeadamente a flexibilidade do horário de trabalho, a polivalência, a redução substancial das indemnizações por despedimento. Atualmente, no distrito da Guarda há 16 milhões de euros de dívidas aos trabalhadores em processos de falência de empresas, algumas das quais receberam milhões em apoios, sobretudo no setor têxtil, cuja aplicação o Estado não fiscalizou nem acautelou.

P – Qual é a alternativa aos cortes salariais e às mudanças anunciadas no âmbito laboral?

R – Tem que haver alterações profundas na regulamentação dos horários de trabalho, na efetiva fiscalização do investimento público e até na responsabilização de quem é nomeado politicamente. Falamos sempre que os trabalhadores têm que ser responsabilizados, mas, por exemplo, na implementação da avaliação de desempenho, apressaram-se a aplicar o SIADAP III para limitar as progressões nas carreiras e criar discrepâncias na mesma categoria profissional, sendo o fator ponderante a cor política. Ou seja, há aqui uma desregulação e uma inversão de valores de equidade no mundo laboral.

P – Pelo que o Governo e o principal partido da oposição têm anunciado, e também por aquilo que tem sido defendido pela “troika”, serão sempre os trabalhadores a pagar a crise. Terá que ser mesmo assim?

R – Serão e têm sido sempre os trabalhadores a pagar as faturas. Fala-se agora na redução da famosa prestação social dos desempregados com a falácia de dizer que estes ganham mais do que quem está no ativo, por isso é que mantemos a meta dos 500 euros para o ordenado mínimo em 2011 e dos 600 em 2013. Pelos vistos, o Governo não vai cumprir nenhuma destas metas.

P – Mas admite que no cenário atual não há condições para se cumprirem esses objetivos?

R – Se houvesse uma alteração profunda em termos fiscais, o combate à evasão fiscal e à economia paralela, tomando medidas objetivas de deduções, nomeadamente através da ideia de que todos deviam passar faturas pois uma parte desse valor seria dedutível. Outra coisa importante era a tributação das mais-valias em bolsa, bem como a cobrança a grandes empresas de um valor acrescentado líquido para a Segurança Social.

P – Numa altura destas, é ou não possível conciliar os direitos dos trabalhadores com a necessidade de aumento da produtividade e outras situações que dinamizem a economia e gerem riqueza?

R – É, se as empresas tiverem também presente a sua função social e não só o lucro. É certo que elas criam emprego, mas devem igualmente contribuir para salvaguardar os postos de trabalhos, revitalizar o emprego criado e melhorar a produtividade. O que verificamos é que, às vezes, para tentar o lucro fácil no imediato, as empresas não têm visão a longo prazo para permitir a manutenção e melhoria dos salários, mas também da produtividade. Para a CGTP, a salvaguarda dos salários e dos direitos são compagináveis com a revitalização do tecido produtivo e mesmo num momento de crise. No entanto, no distrito, 53 por cento dos oito mil e tal desempregados não tem sequer direito à prestação social.

P – Concorda ou não que vai haver um retrocesso bastante acentuado nos direitos adquiridos dos trabalhadores nos próximos tempos?

R – Esse é o objetivo da “troika” e dos partidos do arco do poder. Mas cabe a cada cidadão decidir o que pode fazer para evitar que isso aconteça. Não é uma fatalidade que isso aconteça, só será se deixarmos. Contudo, fiquei triste por não ter visto nas comemorações do 1º de maio muitos dos antigos trabalhadores da Delphi. Os trabalhadores devem mobilizar-se e participar ativamente nas jornadas de luta, nomeadamente na que está agendada para dia 19 no Porto. Todos os ganhos que houve em termos de direitos foi com a luta dos trabalhadores, não resultaram de uma dádiva do poder político.

P – Tem notado menos participação no 1º de maio nos últimos anos?

R – Este ano houve menos gente, mas por causa das condições climatéricas. Preocupantes são o não aparecimento de novos quadros sindicais e a falta de liberdade sindical em termos do acesso aos locais de trabalho no setor privado.

Honorato Robalo

«Todos os ganhos em termos de direitos
        conseguiram-se com a luta dos trabalhadores, não resultaram de
        uma dádiva do poder político»

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