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Editorial

Foi bom… enquanto durou

1. Ainda que tenhamos vontade de não falar sobre a crise, a verdade é que é incontornável. Claro que há outros assuntos sobre os quais nos devemos debruçar, porém, o estado de falência a que o país chegou concentra todas as atenções e preocupa a maioria dos portugueses.

A primeira questão que se nos coloca é saber como chegámos aqui? Observando as muitas respostas que ouvimos a especialistas, concluímos que é, de facto, dificil de perceber, mas, paradoxalmente, não é surpreendente. Aliás, muitos foram os que anteciparam um final triste para os devaneios governamentais, para os erros de planeamento do país, para o adiamento de medidas necessárias, para a falta de rigor e, sobretudo, para a incapacidade do país produzir e ter recursos para financiar as nossas necessidades e custos. De Medina Carreira a Silva Lopes foram muitas as vozes que foram alertando que um dia a festa acabaria. Os políticos nunca lhes deram ouvidos e muitos apelidaram-nos mesmo de “velhos do Restelo” e pessimistas compulsivos.

Mas há que ir mais atrás. A tendência era evidente há muitos anos: de 1960 a 1970 Portugal teve um crescimento médio do PIB (ou seja, de riqueza criada pelo país) de 7,5% e a partir de então cresceu sempre menos – de 1970 a 1980 cresceu 4,5%; na década seguinte o PIB português cresceu 3,2%; de 1990 a 2000 o crescimento foi ainda mais fraco, ficando pelos 2,7%; e, na última década, entre 2000 e 2009, o crescimento médio ficou reduzido a 0,7%. Em 2011 Portugal será, segundo o FMI, um dos três países com mais baixo crescimento do mundo; e em 2012 estará sozinho nesse lugar: O único país no mundo que não consegue crescer relativamente ao ano anterior. E ao que nos dizem os especialistas, Portugal vai empobrecer de forma efetiva nos próximos anos, tanto que, durante os próximos dez anos o objetivo é consolidar as contas públicas e recuperar o crédito internacional – sim , porque, junto dos credores, mais importante do que dever (pouco ou muito) o que conta é ter boas contas e ir pagando o que se deve. E isto parece que os nossos políticos não o sabem, nunca o souberam (basta recordar a famosa frase de Jorge Sampaio, de que o próprio há muito se arrependeu, de que havia «mais vida para além do défice». Hoje sabemos que não, que não só não há mais vida para além do défice, como nem sequer há vida…

2. Fez bem Cavaco Silva em convidar todos os antigos presidentes da República para homenagearem o 25 de Abril. Depois de semanas em que o Presidente da República esteve ausente, quando o país tanto o necessitava, Cavaco Silva protagonizou, surprendentemente, as comemorações da efeméride que representa e recorda a mudança de regime e a chegada da Liberdade e da Democracia. Tal como estão as coisas, é aceitável que não haja grandes razões para comemorar… mas, ainda assim, é preciso recordar a importância da Liberdade e da Democracia. Num tempo em que os poderes, todo o tipo de poder – desde o Governo central, aos governos regionais da Madeira ou dos Açores, passando pelas câmaras municipais – querem controlar a liberdade de expressão e impedir ou controlar quem pensa de forma diferente ou emite algum tipo de crítica (e a imprensa livre é constantemente, e discretamente, de novo atacada e perseguida – sei do que falo…). Um tempo em que um deputado que rouba gravadores a jornalistas enquanto o entrevistavam é escolhido para liderar a lista de deputados do PS, nos Açores… um tempo em que a liberdade de expressão não agrada a quem chega ao poder. É inacreditável que tantos falem de liberdade e não aceitem qualquer crítica ou sequer admitam que outros pensem de forma diferente… Para alguns a liberdade significa muito pouco e só tem significado enquanto colocam um cravo na lapela. O 25 de Abril não é, nem pode ser apenas um dia…

Luis Baptista-Martins

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