Arquivo

Todos à espera

Editorial

1. Ao pressuposto de que «ganha quem tem mais votos» devemos sempre acrescentar, que governa quem tem mais mandatos e o apoio parlamentar. E é isso que neste momento provoca enormes inquietações e incertezas: qual a coligação que poderá garantir maior estabilidade? A coligação de direita, que se apresentou ao eleitorado unida depois de quatro anos de governação marcada pela matriz da austeridade e do empobrecimento? Ou a de esquerda, onde o BE e o PCP pela primeira vez apresentam disponibilidade para governarem ou viabilizarem um governo com o PS? Esta situação inaudita e extraordinária leva a que, por exemplo, enquanto produzimos os conteúdos desta edição do jornal O INTERIOR ainda não se saibam os resultados das reuniões entre os partidos e se desconheça o suporte do próximo governo. Porém, quando esta edição chegar ao leitor poderá já haver a clarificação de vontades, interesses e compromissos para a formação do governo.

De resto, neste momento, a fé num governo de esquerda alastra-se. O programa comum é anular medidas da direita. E depois se verá. A saída da NATO e do Euro – bandeiras do PCP e referências fundacionais do Bloco – ou a renegociação da dívida não entram para já na equação. O aumento do salário mínimo, o fim dos falsos recibos verdes, o corte nas taxas moderadoras, a redução das propinas, o fim da municipalização do ensino e um ponto final no regime de requalificação da função pública são as condições para a negociação à esquerda do PS – e isto, de facto, é governar para as pessoas. Ter como prioridade a reversão das políticas de austeridade deve ser a primeira opção de António Costa, que não contava com tamanha abertura à sua esquerda, e tem a chave para a criação do próximo governo.

Passos Coelho e Portas atrasaram-se. Foram para um primeiro encontro com António Costa de mãos-a-abanar, deixando ao socialista a liderança do processo e agora estão dispostos a ceder a tudo para continuarem no governo. A ordem de Passos e Portas foi não dar pretextos aos socialistas para fecharem portas ao diálogo e a coligação fica mesmo disponível para recolher qualquer questão ou sugestão, para além das 20 propostas “facilitadoras” de um compromisso apresentadas.

A estabilidade é uma quimera e os esforços e sacrifícios impostos aos portugueses nos últimos quatro anos foram tempo perdido. Veremos.

2. A instalação do Data Center da PT/Altice na Covilhã prometia mudar a paisagem da Cova da Beira e pulverizar o desenvolvimento por toda a região. Apresentado com um dos maiores centros de armazenamento de dados do mundo, passados dois anos sobre a inauguração, está “às moscas”. Chegou com o compromisso assumido de criar no arranque (setembro de 2013) 500 postos de trabalho altamente qualificados. O então líder da PT/OI, Zeinal Bava, entretanto caído em desgraça, assegurava mesmo que em dois anos seriam criados perto de 1.400 empregos, terão sido criados 200 – contratados por empresas que laboram em outsourcing, de forma precária, ou seja, a maioria nem sequer foram contratados pela PT/Altice. A implantação do centro de dados parecia um eldorado, mas afinal recebeu mais do que deu: fundos comunitários, isenção de taxas por 40 anos, negócio imobiliário com a Câmara, destruição do aeródromo… e, no final, a enorme desilusão das partes. O Data Center não consegue aliciar clientes com dimensão, e a quem tem pouco mais a propor de diferenciador do que a imagem da superestrutura – parece que terá aliciado com sucesso a CIM das Beiras e Serra da Estrela para ali alojar o seu exangue e incipiente site. Depois virão as demais autarquias, por intervenção da CIM, que serão levadas a transferir o seu alojamento da ADSI (na Guarda) para o Data Center da PT/Altice. Afinal, a superestrutura de nível mundial para sobreviver terá de engolir o que há na região; afinal, a promessa de conquistar o mundo a partir da Covilhã assenta na canibalização e na “ajudinha” do costume; afinal, a Covilhã já deu muito e recebeu pouco; afinal, a região vai dar o que tem para receber não se sabe bem o quê.

Luis Baptista-Martins

Comentários dos nossos leitores
Jorge Barata jbarata@ubi.pt
Comentário:
Excelente editorial. No ponto 1 tenho a dizer que quando ocorre “endeusamento” dá asneira, porque o ser humano é muito limitado. Mal consegue manter o que recebeu. No que diz respeito à segunda parte “não se sabem o quê” e, por cima, ainda se queixam…
 

Sobre o autor

Leave a Reply