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Tiro a Sócrates

Desde que anunciou a sua candidatura a secretário-geral do PS, José Sócrates tem sido alvo de um tiroteio cerrado não só por parte dos seus competidores na corrida ao cargo, Manuel Alegre e João Soares, como de vários «opinion makers», como Vasco Pulido Valente, Alfredo Barroso e Freire de Sousa, entre outros.

Supõe-se que este tiro ao Sócrates terá a ver com a evidente possibilidade do ex-ministro do Ambiente chegar à posição de líder dos socialistas eleito pelas bases e não por um Conselho Nacional, como foi Pedro Santana Lopes – embora eu não duvide que o primeiro-ministro ganhará o próximo congresso do PSD sem nenhuma dificuldade.

Voltando a Sócrates, o que se pergunta é: ele será entronizado porque não há alternativas? Falso. Existem duas: Manuel Alegre, sobejamente conhecido dos portugueses e uma indiscutível referência para todos os cidadãos de esquerda e para a família socialista, e João Soares, filho da figura tutelar do partido e ex-presidente da Câmara Municipal de Lisboa. Portanto, quanto a esta questão, estamos conversados: Sócrates, se ganhar, ganha porque recolheu democraticamente mais votos entre as bases socialistas do que os seus concorrentes e não por qualquer favor dos barões do partido ou por qualquer outra manobra que o leve ao poder sem ser escrutinado (isto, claro, se não dermos crédito à sugestão de Soares de que vai ser roubado nas eleições do seu partido…). E como a democracia é o pior sistema político, tirando todos os outros, não se vê como o secretário-geral do PS possa ser mais democraticamente eleito…

A segunda questão é que Sócrates é acusado de ser muito mediático – e daí ter vantagem sobre Alegre e Soares. Bom, quer Manuel Alegre, quer João Soares, não são propriamente personagens que não apareçam com regularidade na televisão. Mas também há que discernir: não é o bom povo português que vai eleger o secretário-geral do PS, mas sim os militantes socialistas. Estes não conhecerão os seus camaradas? Não saberão quem melhor os serve? Não conhecerão o seu passado, as lutas que travaram, as suas ideias? Deixemo-nos de demagogias: se Sócrates for escolhido, não é por passar muito na televisão ou nos jornais. Se assim fosse, Manuel Monteiro ou Francisco Louça há muito que eram primeiros-ministros de Portugal…

A terceira questão e o «pecado» mais apontado a Sócrates é que se trata de um produto programado, com meia dúzia de ideias alinhavadas e de citações a propósito ou despropósito, mas que por dentro é de uma enorme vacuidade. Bom, que eu me lembre, Sócrates foi um bom ministro do Ambiente – e se Portugal não resolveu até agora a questão dos resíduos sólidos através da co-inicineração não é por sua culpa, mas de Manuel Alegre, Boaventura Sousa Santos e Durão Barroso, entre outros. O país está melhor agora do que se essa decisão tivesse sido tomada? Está pior, como é evidente. E, nessa matéria, todos os dias piora.

Também foi Sócrates que liderou a equipa que conquistou para Portugal o Euro 2004. A decisão de construir ou recuperar dez estádios foi muito criticada – e não serei eu a elogiá-la. Mas agora, depois da prova se ter realizado, foi ou não de uma extraordinária utilidade para a promoção do país no estrangeiro – melhor do que 300 campanhas de imagem do ICEP – e, sobretudo, de uma enorme utilidade para dar um novo ânimo aos portugueses, de que tão precisados andávamos, e para estimular um sentimento muito mais arreigado de ligação ao país?

Freire de Sousa critica a proposta de Sócrates de um plano tecnológico para o país, por no artigo que escreveu para o «Público» não definir objectivos, meios, propostas concretas de actuação e formas de implementação. Com licença de Freire de Sousa, não me parece que seja esse o objectivo de um artigo no jornal. Os detalhes, a concretização das ideias, são trabalhadas a um outro nível. E o que seria bom perceber é que ideias é que Alegre e Soares têm – e não desfazer as ideias de Sócrates só porque não estão detalhadas ao milímetro as suas propostas. Até agora, Sócrates fez propostas – os outros limitaram-se a criticá-las.

Diz-se que George W. Bush reconhece que não é uma luminária – mas, acrescenta, «fui eu que fui eleito». Não sei se Sócrates é o secretário-geral ideal para o PS – e não sei se existirá mesmo essa figura mítica. Quem tem de decidir sobre isso são os militantes socialistas. E têm três opções: Sócrates, Soares e Alegre. Quem ganhar, será então sufragado pelo povo português daqui a dois anos. Sócrates não serve? Durão também não servia e hoje é presidente da Comissão Europeia.

Por: Nicolau Santos *

* Sub-Director do Expresso

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