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Tesouros de Arte Sacra

Opinião – Ovo de Colombo

Objeto de estudo em 2009 da dissertação de mestrado de Maria do Carmo Mendes (Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa), a série de dez pinturas que reveste o teto da capela-mor da Igreja de Nª Sª da Conceição na Covilhã (igreja do antigo Convento de S. Francisco) é um verdadeiro tesouro da arte sacra em Portugal pela peculiaridade da sua iconografia.

Estas pinturas terão sido encomendadas por D. Rodrigo Moura de Teles (bispo da Guarda entre 1694 e 1703) ao pintor local Manuel Pereira de Brito, numa época em que urgia a moralização e a afirmação dos valores contra-reformistas da fé católica. São imagens que mostram personagens, formas e cenários fantasistas e que hoje seríamos levados a chamar de “surrealistas”, mas que se explicam pelo misticismo e devocionismo religiosos da época barroca, bem patentes, por exemplo, na conhecida e igualmente peculiar obra de Josefa d’ Óbidos.

Esta série é baseada diretamente em dez gravuras do manual “Schola Cordis” de Benedictus Jacobus van Haeften (1588-1648), objeto de diversas edições e traduções por toda a Europa e um exemplo da literatura de emblemática sacra em torno da temática do Amor de Deus pelo Homem, muito produzida na Idade Moderna. Manuais como este funcionavam como guias para a ascensão da Alma humana a um estado de pureza e para o seu encontro com Deus.

Este conjunto pictórico, cujas personagens são sempre e apenas o Menino-Anjo (Cristo), a Alma e o Coração, associa-se a dez dos Passos da Paixão de Cristo para uma maior compreensão da iconografia e da mensagem moral por parte dos crentes. Representa o caminho do indivíduo na sua demanda pela união a Deus e pela perfeição, através da imitação do sofrimento redentor de Cristo.

Assim, aqui, o Coração deve ser entendido como o órgão onde habita o espírito humano, o qual se liberta da sua humanidade e atinge a divindade através do sacrifício terreno. Por seu turno, a iconografia do Menino-Jesus-Anjo e da Alma associa-se à tradição greco-romana de Eros/Amor e Psique, ou seja, o mito do amor divino pela alma humana que por sua vez alcança a imortalidade. Estas pinturas, mais do que relatarem os Passos da Paixão, pretendiam despoletar emoção e proporcionar ascese, ensinando os valores inerentes a Cristo e incitando a sua “imitatio”.

Apesar do pouco virtuosismo técnico que demonstram, próprio de um contexto artístico periférico, cumprem a sua função através de uma linguagem simbólica facilmente apreendida pelos menos eruditos, e da sua integração num cenário quase onírico, onde também se conjuga imaginária e talha dourada e que ainda hoje impressiona qualquer um.

Por: Diana Rafaela Pereira*

*Mestranda de História da Arte Portuguesa na Universidade do Porto

Elevação da cruz

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