Muitos podem não o considerar e achar a afirmação até forçada, mas a realidade é que os museus regionais portugueses guardam em si verdadeiros tesouros.
Um exemplo dessa riqueza, que tantas vezes rejeitamos por pura ignorância, é a escultura em granito e madeira, que representa uma Virgem em Majestade com o Menino (também conhecida por “Nossa Senhora da Consolação”) e que se encontra no Museu da Guarda. Está datada como sendo dos séculos XII ou XIII e estaria adossada à parede da sacristia da Igreja da Santa Casa da Misericórdia da mesma cidade.
A iconografia da Virgem Entronizada, ou seja, sentada num trono e coroada, conhecida como “Theotokos”, é muito comum no período da designada Baixa Idade Média, podendo encontrar-se desde o século XI ao XVI. As figurações iniciais mostram um enorme hieratismo e simetria e normalmente o Menino Jesus está sentado exatamente ao centro e não de lado como neste exemplar. É no decorrer do século XIII e sobretudo no século XIV que o Menino se posicionará de lado. Paralelamente, tanto a sua expressão como a da Virgem suavizam-se e ganham maior humanidade, deixando para trás a severidade e adotando o naturalismo crescente do Gótico, onde já não se procura mostrar Maria como Imperatriz, mas como uma mãe terna – a “Mater Amabilis” – ainda que divina. Surgem por esta altura, por exemplo, reproduções da Virgem a amamentar o Menino, as quais seriam fortemente reprovadas pelo sentido de decência do Concílio de Trento (1545-1569).
É usual que a Nossa Senhora segure na mão direita uma maçã, uma romã ou uma flor, símbolos de sabedoria ou pureza desde cedo associados àquela que era a “Nova Eva”, já que ao gerar Cristo, o Salvador do Mundo que redimiria a humanidade após os pecados de Adão e Eva, também ela, com a sua imaculabilidade, contribuía para essa redenção. Assim, também nesta escultura a Virgem parece segurar algo na mão, atributo hoje desaparecido.
Outro aspeto interessante neste exemplar é a policromia, aplicada numa época bastante posterior, provavelmente nos séculos XVII-XVIII. O vestido e o manto de Maria são azuis, como é habitual na sua iconografia, já o Menino veste vermelho. Ambas as roupagens apresentam motivos florais, tipicamente barrocos, em dourado.
Ressalta-se ainda a microarquitectura onde os dois se inserem, a qual termina num arco em mitra de sabor “oriental” e revela um grande preciosismo que o tempo naturalmente desgastou. Sem dúvida uma forte razão para visitar o Museu da Guarda.
Diana Rafaela Pereira*
*Mestranda de História da Arte Portuguesa na Universidade do Porto