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«Tenho uma tendência e uma necessidade natural de difundir a música portuguesa»

Cara a Cara – Bruno Borralhinho

P – Está neste momento a preparar um novo disco, como o descreve?

R – Este novo disco, completamente dedicado à música portuguesa para violoncelo e orquestra, vem no seguimento do CD duplo “Página Esquecida” que gravei em 2009, também dedicado à música portuguesa, mas na altura para violoncelo a solo e com piano. Desta vez conto com aquele que é provavelmente o maior selo discográfico do mundo, a Naxos, que só por si garante o objetivo principal do projeto: a divulgação da música portuguesa pelo mundo. Mas também em Portugal, onde muitas vezes é tão desconhecida como lá fora. O CD inclui obras muito diferentes entre si de compositores como Luís de Fretas Branco, Fernando Lopes-Graça, Joly Braga Santos e Luiz Costa (neste último caso uma obra incompleta que o Pedro Faria Gomes concluiu e orquestrou há poucos anos) e faz uma retrospetiva do que foi a criação musical portuguesa em geral ao longo do século XX. Tenho o privilégio de contar nesta gravação com um elenco de luxo, a Orquestra Gulbenkian e o maestro Pedro Neves. É um trabalho muito interessante e tenho a certeza que vai ter muito êxito. Aliás, já está a suscitar muita curiosidade e interesse e ainda nem sequer acabámos de gravar.

P – Qual é a sua inspiração?

R – É sempre a própria música e essa tarefa tão aliciante de entrar nos estados de espírito dos compositores para tentar reproduzir com o som aquilo que eles tentavam transmitir. Tão importante como a inspiração acaba por ser a motivação e, neste caso, talvez por viver no estrangeiro há bastantes anos, tenho uma tendência e uma necessidade natural de difundir a música portuguesa. E descobri-la, porque também para mim é em grande medida desconhecida. Um projeto como este ou, por exemplo, a difusão da música na edição de partituras são importantíssimos para que a música portuguesa esteja acessível nas suas mais variadas formas. Só assim se pode descobrir, conhecer, interpretar, ouvir, desfrutar.

P – Como tem sido o seu trabalho na Orquestra Filarmónica de Dresden, na Alemanha?

R – É uma orquestra fantástica que me dá excelentes condições a todos os níveis. Em termos profissionais, realiza um trabalho de alto nível no seu dia-a-dia, faz digressões por todo o mundo e permite-me trabalhar com maestros e solistas de prestígio internacional, enfim, ideal. Em termos financeiros, oferece excelentes condições e é muito estável, mas talvez mais importante do que isso, é uma orquestra que me permite ter tempo e disponibilidade para desenvolver outros projetos. Por exemplo, a solo ou de música de câmara, o que é extremamente importante. O meu Ensemble Mediterrain e a gravação do CD a solo com a Orquestra Gulbenkian são fundamentais para a minha realização pessoal e para o meu desenvolvimento como músico e pessoa.

P – Pondera regressar a Portugal e eventualmente dedicar-se à música na região?

R – Por motivos pessoais e profissionais, agora mesmo seria praticamente impossível ou muito improvável, pelo menos a tempo inteiro. No futuro, quem sabe… Mas claro que tenho sempre imenso prazer em integrar e desenvolver projetos pontuais, como a recém-criada Academia Serra da Estrela, com a qual orientarei uma masterclass de violoncelo nas Penhas da Saúde no final deste mês. Estarei disponível e interessado sempre que sinta que posso ajudar com os meus conhecimentos e experiência e sempre que se trate de projetos ou iniciativas sérias e de qualidade.

P – Como nasceu o gosto pela música e decidiu que queria ser violoncelista?

R – Comecei relativamente tarde, aos 12 anos, na EPABI e o interesse real pela música e pelo violoncelo acabou por se ir cimentando ao longo dos anos. No início, se me tivessem dito que tinha muito jeito para tocar trombone, provavelmente seria trombonista. Mas é verdade que o violoncelo sempre me despertou muita curiosidade e interesse, pelas características do seu som e mesmo pela beleza do instrumento em si.

P – Sente que o seu trabalho é reconhecido pelas pessoas da Covilhã?

R – Acho que sim. Aliás, no meu último concerto na Covilhã, em março passado, fui gentilmente homenageado pela Câmara. Por viver no estrangeiro, talvez se torne mais difícil para as pessoas acompanharem o meu trabalho, mas a verdade é que sempre que venho à região, sobretudo na Covilhã, sou abordado por pessoas que me reconhecem e que sabem que fiz este ou outro concerto, a gravação x ou a digressão y.

R – Neste momento como vê a cultura na Covilhã?

R – É difícil estar a julgar um meio que não posso acompanhar com a regularidade que se exige, mas tendo em conta as restrições orçamentais que se vivem no país em geral e na cultura muito em concreto, parece-me que a Covilhã tem podido manter a tradição cultural que a caracteriza há muitos anos. Na música, veja-se a quantidade e qualidade das escolas de música da cidade. De qualquer forma, há sempre aspetos que se podem melhorar. Espero, por exemplo, que o Teatro-Cine possa ser remodelado muito em breve. É um edifício fantástico que não merece o estado de degradação que tem hoje e seria muito bom a cidade poder ter no Teatro-Cine um motor de oferta e programação cultural sólida e baseada na qualidade e na diversidade. Vejam-se os exemplos de Castelo Branco e da Guarda. Saúdo também a elaboração de um Plano Municipal de Cultura: é uma iniciativa muito boa e que, ao ser bem elaborada, pode dar frutos muito interessantes para a Covilhã e para a região.

R – Quando vai ser a sua próximos apresentação na região?

P – A 2 de outubro vamos fazer um concerto em Castelo Branco com o “meu” Ensemble Mediterrain. Vamos estar em digressão por Portugal com um programa muito bonito, com obras de Boccherini e Schubert para quinteto de cordas, com músicos de Berlim, Dresden, Potsdam e Basileia.

Perfil:

Profissão: Músico

Idade: 33 anos

Currículo: Membro da Orquestra Filarmónica de Dresden (Alemanha) e diretor artístico do Ensemble Mediterrain. Licenciado pela Universidade de Artes de Berlim, mestre em Gestão Cultural pela Universitat Oberta de Catalunya (Barcelona) e doutorando em Humanidades pela Universidad Carlos III (Madrid).

Naturalidade: Covilhã

Livro preferido: “Os Maias”

Filme preferido: “A Lista de Schindler”

Hobbies: Leitura, cinema, desporto.

Bruno Borralhinho

Sobre o autor

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