Arquivo

Têm Todos Razão

Bem dizia o velho Marx que o capitalismo, de crise grave em crise mais grave ainda, corria inelutavelmente para a sua perda – e tinha razão. Uma fatalidade histórica que os partidos comunistas de todo o mundo deviam aguardar com paciência, prontos para o render da guarda, para remediar ou mesmo resolver os males entretanto criados – e lá tinham também as suas razões. E bem diziam os liberais e os menos liberais, comungando apenas entre si na oposição aos comunistas, que estes nunca tinham resolvido nada que se aproveitasse que se aproveitasse, a não ser para si e para os muitos aparatchjks da nomenkaltura – e também tinham razão.

Bem diziam os economistas da escola de Chicago que havia que baixar impostos e dar livre curso ao mercado, e tinham certamente razão, que a tentativa de planificação de sistemas tendencialmente caóticos, como o capitalista, sempre teve como resultado o único expectável: o caos. Têm também razão os sindicatos, quando dizem que é imoral congelar os salários e ainda mais imoral ameaçar baixá-los – e baixá-los mesmo cai numa categoria próxima do indizível. Tal como têm razão as empresas, quando avisam que a maior fatia dos seus custos de produção é constituída por salários, que não conseguem baixar os outros custos, vindos de cima ou de fora, como sejam os combustíveis, a electricidade ou os impostos, e que perderam o acesso ao crédito. Razão ainda tem toda a esquerda, quando diz que devem ser os bancos, “com os seus lucros fabulosos”, a pagar a crise. E razão têm os bancos, quando avisam que os seus lucros não são tão fabulosos quanto isso, que já não conseguem financiar-se para emprestar aos portugueses, que têm cada vez mais crédito malparado e cada vez menos esperança de o cobrar.

Também não estão errados aqueles que acham que aumentar os impostos vai impedir a retoma económica, porque vai impedir as empresas de investir e os portugueses de consumir, caindo-se numa espiral de recessão sem fim previsível. Assim como têm alguma razão os que dizem que com esses impostos se vai obrigar os portugueses a poupar e assim inverter a tendência de endividamento excessivo. Para além, claro, do singelo mas não negligenciável facto de que a receita adicional vai constituir um inestimável balão de oxigénio para o Estado. E ajudar a reduzir o défice. Mas os impostos são injustos, o Estado vai gastar mal o dinheiro, como faz geralmente, e a distribuição do encargo pelos contribuintes vai ser, como sempre é, injusta, dizem outros – e não lhes falta razão.

Sim, têm todos razão, estes e outros. Todos têm grande sucesso em dizer como falham, como têm de falhar, os argumentos dos outros. Todas as medidas são criticáveis, uma vez que todas têm defeito. Uma vez que chegámos tão longe na Rua da Amargura, todas as medidas são males menores e todas são muito faliveis.

Inquietante mesmo é não vermos ninguém propor soluções globais, integradas, com sentido, viáveis, para todos os problemas. Outra terrível inquietação é não podermos confiar na liderança de quem está ao leme e, pior ainda, dos que gostariam de estar.

Por: António Ferreira

Sobre o autor

Leave a Reply