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Telemassacre

Como se não bastasse já a crónica pobreza de conteúdos, dos programas da manhã e da tarde dos nossos canais generalistas, acrescenta-se a pobreza de espírito dos apresentadores, com perguntas aos convidados cheias de nada e explorando sempre guiões de faca e alguidar, vemo-nos, desde há uns tempos, bombardeados com apelos incessantes a chamadas de valor acrescentado que nos habilitarão a ganhar somas “astronómicas” da ordem da unidade de milhar de euros. Para isso, caro telespectador, só tem que ligar para o número que estiver a passar em rodapé, ajudado por um público amestrado que, ao vivo, gritará um qualquer número iniciado por 760.

O objetivo de todo este assédio é simples: Financiamento. Os 3 canais generalistas (retira-se a saudável RTP2) encontraram uma maneira fácil de se auto financiarem à custa de quem os vê. A SIC e a TVI terão conseguido, em 2013, mais de 70 milhões de euros neste tipo de chamadas. Como? Com apelos “ad nauseam”.

A atual regulamentação permite cinco apelos por hora, o que dá um apelo a cada doze minutos!! Antes tínhamos apenas programas aborrecidos e vazios; agora temos apelos a chamadas de valor acrescentado e, nos intervalos destes, programas aborrecidos e vazios.

Mário Frota, ao jornal i, referiu que a Associação Portuguesa de Direito do Consumo (APDC) apresentou uma queixa à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e à Provedoria da Justiça contra o «assédio» e «abusos» da RTP, SIC e TVI. A seu ver, os concursos são «uma forma de exploração absolutamente intolerável». Uma das justificações foi que os telespetadores são «sucessivamente massacrados, ao longo do dia, com mensagens a apelar à participação em concursos» televisivos, através de chamadas de valor acrescentado. Além disso, afirma que os mesmos são executados por profissionais com carisma e que incitam à realização de «várias chamadas». Esta prática é um assédio, por se tratar de uma «uma prática comercial agressiva». Além disso, o prémio não é bem explicado porque é entregue «em cartão de crédito e não em dinheiro», referiu.

Nuno Eiró, ao jornal i, garante que dorme de «consciência tranquila», «até porque só liga quem quer», considerando que a prática «não é um assédio». É verdade que só telefona quem quer, assim como também só se mete na droga quem quer. Agora imaginem as consequências para os números da toxicodependência se, de doze em doze minutos, fossemos abordados na rua e nos tentassem vender haxixe ou ecstasy na promessa de umas “viagens” loucas? A ocasião faz o ladrão, assim como os apelos da esganiçada Júlia e sucedâneos mais ou menos histéricos, Goucha, Eiró, Malato, fazem o trouxa. Afinal, quem é o público-alvo destes programas? Quem vai para lá bater palminhas ao vivo, levar com uma esturra de três horas e fazer telefonemas ao telemóvel quando se vê no enfiamento das câmaras, quem é? Quem vai mandar beijinhos para os filhos, primos, enteados, amantes na “hora do beijinho”? Quem vai sofrer com os crimes escabrosos trazidos a antena e dissecados ao vivo? É muito do nosso maravilhoso e “naif” povo, o mesmo que ama até à morte a figura boçal e ridícula do Fernando Mendes no seu “Preço Certo”. Enfim, o povo tem o que o povo gosta e se lhe puderem extorquir algum entretanto, melhor ainda.

Os canais valem-se da relação de empatia que se estabelece entre Malato, Goucha e Júlia e o público para dar credibilidade ao apelo na chamada de valor acrescentado, e isso é imoral. O dramático é que, no fim do mês, quando chegar a fatura telefónica, haverá mais uns milhares de infelizes, iletrados e ignorantes que, na ânsia de comporem os parcos ordenados ou por se encontrarem desempregados, terão gasto balúrdios porque os seus ídolos lhes disseram que “quanto mais vezes ligar, mais hipóteses tem de ganhar”. Deprimente, muito deprimente.

Por: José Carlos Lopes

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