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Tão básico, como ver e… copiar

Ou da intervenção do Estado no estado da educação (II)

Quem conhece o ensino básico em outros países europeus sabe que o fosso que nos separa não se preenche com a mera alteração do número de aulas de Matemática, com a introdução da língua estrangeira nos primeiros anos de escolaridade, nem com a substituição automática dos professores ausentes, como acontecia quando a medida foi inicialmente implementada nas nossas escolas. Ou seja, as alterações não se podem limitar à forma. Tão pouco se podem ficar pelo reconhecimento público e eventual correcção da situação de privilégio de certas turmas que ficam com os melhores professores e da negligência por parte de alguns agentes de ensino. Muito menos se pode aceitar que vão aparecendo, a conta-gotas, medidas pouco ponderadas, como, por exemplo, a ideia de os professores virem a ser avaliados pelos pais dos alunos. O Ministério agita-se convulsivamente mas, até agora, só tem parido ratos.

A chave para o sucesso da reforma educativa está em aplicar, na sua totalidade, um sistema que tenha sido bem sucedido noutro país europeu, conferindo atenção cuidadosa aos conteúdos e à estratégia do seu desenvolvimento, às metodologias, à formação específica e geral dos professores, à produção de materiais didácticos e ao acompanhamento dado fora e dentro das escolas a todo o processo.

Numa altura em que se prepara a introdução de níveis para identificação e aferição de conhecimentos no domínio das línguas estrangeiras com vista à obtenção do chamado “passaporte de línguas”, documento necessário, de futuro, à mobilidade profissional de cidadãos no espaço europeu, por que não pensar também já na introdução de níveis em todas as disciplinas do currículo escolar? Ficaremos, tal como no processo de Bolonha, mais uma vez à espera que no-lo imponham de Bruxelas para podermos, finalmente, dar um acompanhamento diferenciado aos alunos, segundo o seu nível dentro de cada ano?

Para quando, por exemplo, o ensino do Português, parcelarmente direccionado para a escrita extensiva, com formas e funções variadas, para a escrita sucinta, para a leitura e interpretação de textos e para a análise de obras estruturantes do património literário português, com exames para avaliar cada uma destas vertentes? Para quando laboratórios em todas as aulas das disciplinas de Ciências? Para quando as Artes Plásticas e a Música a ensinar, reinventando, a partir dos mestres europeus? Assim se passa nos países onde o sucesso escolar é maior.

E quando passará a haver acompanhamento e orientação sistemática de professores, com acções de formação contínua especificamente dirigidas às necessidades de cada área, com um supervisionamento sistemático nas próprias escolas, a fim de que os problemas pedagógicos possam ser corrigidos em tempo útil para os alunos de cada ano?

Quando será palpável o esforço direccionado no sentido de contrabalançar a falta de apoio aos alunos por parte das famílias, para que não se perpetuem desigualdades? Onde estão as pequenas bibliotecas, uma em cada sala de aula do 1º ciclo, para que as crianças leiam um ou mais livros por semana, na aula e em casa, segundo o seu nível de leitura? Onde está a noção generalizada de que os livros de Inglês ou de outra língua estrangeira têm de ter explicações em português e não nessa outra língua que muitos pais desconhecem e os alunos ainda não sabem, exactamente porque estão a aprender?

Todas estas interrogações, que muitos já se colocam, apontam, além das lacunas na educação, para a existência de um lado muito positivo que é o brio renascido de fazermos bem, de fazermos cada vez melhor. Indicam o desejo da vinda de um tempo em que também nós poderemos servir de referência. Rejeitamos a ideia de que iremos continuar sempre a reboque de Bruxelas, a fazer porque e só quando nos obrigam, arrastados, aos trambolhões, ferindo a nossa dignidade – já quase insensivelmente.

E, como talvez já tenhamos o hábito de não fazer nada sem que alguém, de fora, no-lo imponha, então que, pelo menos, seja o Ministério da Educação a impor, e não Bruxelas. Mas que o Ministério se inteire e empenhe na totalidade do que é necessário mudar. E, depois, com os professores e não contra eles… que saiba mandar.

Por: Luísa Queiroz de Campos

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