A situação não é novidade, mas os dados que a confirmam são «assustadores», garante Jorge Godinho, presidente da Associação Comercial da Guarda. E o caso não é para menos, a fazer fé num estudo da ACG, divulgado na última segunda-feira, sobre o impacto do aumento do IVA português nas compras dos beirões no país vizinho. É que 94 por cento dos habitantes dos concelhos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo e Guarda vão regularmente a Espanha fazer compras e abastecer-se de combustível.
«Existe uma clara orientação para os consumidores desta zona comprarem cada vez mais em Espanha», sublinha Paulo Manuel, vice-presidente da ACG e coordenador do estudo realizado pelo Observatório do Comércio e Turismo da Comercial. Uma tendência que cresceu após o aumento do IVA de 19 para 21 por cento no nosso país: «Esta subida parece ter sido determinante, porque 49 por cento dos inquiridos disseram que as suas compras em Espanha aumentaram», acrescenta o dirigente. Realizado na primeira e terceira semanas de Março naquelas três sedes de concelho e Vilar Formoso, o inquérito envolveu uma amostra aleatória simples de 300 inquiridos. Segundo a ACG, a diferença de cinco pontos percentuais entre o IVA praticado em Portugal (21 por cento) e Espanha (16 por cento) faz com que «o custo de vida tenha subido significativamente, penalizando as classes mais desfavorecidas e, principalmente, as regiões do interior». Uma premissa confirmada com este inquérito. É que perto de 53 por cento dos indivíduos abordados confirmaram que vão a Espanha uma vez por mês, enquanto 20,6 por cento o fazem uma vez por semana. E fazem-no sobretudo para comprar produtos alimentares, abastecimento de combustível, produtos para casa/lar e vestuário, por esta ordem.
Mais estudos nos próximos meses
«O estudo mostra que 52,8 por cento dos inquiridos abastece a sua viatura, 53 por cento compra géneros alimentares, 20,7 adquire artigos para casa/lar e 16,7 roupa», especifica o responsável. Para Paulo Manuel não restam dúvidas que a política fiscal portuguesa está a ter «consequências nefastas na actividade económica do interior transfronteiriço, lesando gravemente a actividade comercial da nossa região». Nesse sentido, diz haver muitos comerciantes em dificuldade, particularmente em Almeida e Vilar Formoso, as localidades mais próximas da fronteira. O mesmo pensa Jorge Godinho: “O estudo confirma a fuga dos consumidores para Espanha e que o aumento do IVA não terá sido a melhor opção para relançar a economia. O pior é que se perspectiva a possibilidade do país vizinho baixar este imposto devido à boa performance do Estado, que teve um saldo positivo em 2005”, refere. Contudo, espera que esta análise também possa servir para que «os próprios consumidores tirem ilações e do quanto estão a penalizar as nossas terras. É que este dinheiro vai para fora e não volta». O presidente da ACG contava apresentar as conclusões do estudo numa reunião da Confederação do Comércio Português (CCP), realizada na terça-feira, de forma a que o presidente daquele organismo o remetesse para a tutela.
«Não adianta nada à ACG reivindicar, porque não tem peso político para mudar as opções do Governo. Esse papel deve pertencer às grandes associações sectoriais», garante. A Comercial guardense promete, no âmbito do Observatório do Comércio e Turismo, mais estudos para os próximos meses, nomeadamente um sobre os fluxos comerciais dos guardenses, outro sobre o valor médio das compras e, finalmente, um mapeamento comercial do distrito. «Temos cada vez mais a noção de que, se o IVA não baixar, o comércio está a prazo na nossa zona, porque as margens dos nossos empresários vão ficar mais pequenas», alerta Jorge Godinho.
Ecomarché de Vilar Formoso resiste à subida do IVA
Com oito anos de existência, o Ecomarché de Vilar Formoso, continua a sobreviver à subida do IVA e à consequente ida dos consumidores à vizinha Espanha. Há um ano atrás o Imposto sobre o Valor Acrescentado passou de 19 por cento para 21 por cento, levando cada vez mais portugueses a efectuarem as compras do mês no outro lado da fronteira. Francisco Andrade, gerente do Ecomarché, confirma que houve «uma ligeira quebra nas vendas» quando o IVA subiu, mas durou «somente alguns dias». Uma das causas apontadas para que o Ecomarché tenha conseguido manter-se em Vilar Formoso é «a qualidade dos nossos produtos e serviços», afirma o empresário. Além disso, apesar de se ter verificado uma subida dos preços no nosso país, os bens de primeira necessidade continuam mais baratos em Portugal do que em Espanha, sendo que o leite é, por exemplo, mais caro 10 cêntimos em Fuentes de Oñoro do que no Ecomarché de Vilar Formoso. Para Francisco Andrade, «as pessoas têm que ser inteligentes e comprar o que é mais barato cá e lá».
Luis Martins