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Tamborilar

Bilhete Postal

Tamborilava os dedos no tampo da mesa beije. Ritmava os toques como acompanhava os sons da música. Nunca comprou um disco, mas tinha milhares de músicas nos seus iPod, Mp3, Nokia N97, e outros utensílios de bolso. Tamborilava os dedos de modo irritante para quem preferia o silêncio. Lá caíam as falanges das unhas, cara ao Sol, no tampo beije como se fosse um “cajon”. Podia fazê-lo tardes seguidas com o “walkman” nos ouvidos e na ausência de outrem. Tamborilar era a companhia da mente embebida de inúmeros sons. Sem movimentos no resto do corpo, sem o mover dos lábios, só – num universo único. Os dedos percutindo, suavemente, o tampo beije. Olhar longe e pescoço levemente tombado sobre o ombro direito. A vida desatenta destes dedos, a forma desprendida deste gesto, a ausência de ambição desta letargia, a falta de músculo na determinação, tudo me angustia como se fossem mil crianças e não uma só. Os tampos beije das mesas do Café estão pejados de pessoas com ouvidos ocupados por auriculares de onde brotam sons arrancados de “downloads”. Nenhum compra discos, nenhum agarra um livro, nenhum abandona a Nintendo DS, nenhum conversa. Apenas aquele rapaz na esquina tamborila os dedos, das outras mesas chegam risinhos, sons de computador, sempre iguais, sons dos jogos que lhes fazem companhia. Afinal, tamborilar é o gesto mais próximo dos meus. Não sei se este é um destino dos homens, mas para já encontro uma imagem obscura de um desinteresse cinzento.

Por: Diogo Cabrita

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