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Tábua de Marés

Há várias formas de tratar museológica e artisticamente o acervo cultural, material ou não, associado directamente a pequenas comunidades. A primeira é a restauração etnográfica pura e simples de uma realidade cultural engolida pela História. Trata-se, sobretudo, de uma reconstituição cénica. Embora útil, se rigorosa, deverá ser encarada como um meio e não um fim em si. Onde uma finalidade lúdica pode e deve amparar propósitos científicos, ou até mesmo ambientais. Mas esta opção deverá ser encarada com alguma reserva. É que a recriação de um etnicismo inócuo pode ser uma ficção estratégica ao serviço do poder. Porque aquilo que realmente se pretende é construir um modelo ideal, um arquétipo do qual as contradições e o quadro social são convenientemente expurgados. Por outro lado, aparece a reconstituição diferida, tipicamente museológica. Aqui, poder-se-á falar de uma reconstituição cenográfica, onde a identidade cultural se fixa por via da catalogação, do registo. Já não se procura uma identidade à custa de um passado salvífico, mas o recurso a símbolos identitários com fins pedagógicos e, quiçá, turísticos. Mas há ainda uma outra via, esta sem dúvida a mais ousada e exigente: a recriação da tradição. Pode combinar as duas anteriores, mas em vez de um restauro, encara as tradições do mundo rural como ponto de apoio, como inspiração para uma nova linguagem, um novo fôlego criativo. Neste ponto, poder-se-ia afirmar que a tradição já não seria o que era, mas outra coisa que talvez nunca foi. Com o benefício da dúvida, é claro.

No caso presente, a criação de uma instalação deste tipo obedece a propósitos claros: por um lado, edificar um centro agregador de uma requalificação da aldeia. O que inclui a sua memória e a sua especificidade; por outro lado, criar um pólo de atracção turística. Este projecto é constituído por dois equipamentos: o telheiro, uma edificação construída de raiz, com um piso superior onde é guardada a palha e outros produtos agrícolas e um inferior onde estão expostos vários objectos (carroças, arados, etc.); a casa propriamente dita, um edifício totalmente restaurado, composto por dois pisos, onde se dispõem dois quartos, uma cozinha, uma despensa, uma sala e um armazém multiusos. As várias divisões estão devidamente decoradas com os utensílios, o mobiliário e o vestuário próprios de uma “casa rural”, tal como seria até há 50 anos. No exterior, foi instalado um poço com um picanço, uma eira, uma pequena horta e duas levadas. É claro que várias interrogações se podem colocar face à concreta utilização que o espaço terá no futuro. Funcionará em rede com outros equipamentos do concelho, ou da área do PNSE? Terá algum tipo de animação associado? Haverá protocolos com escolas? Será disponibilizado algum tipo de folheto informativo?

Por: António Godinho

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