Arquivo

Susto na neve

Acessos sem condições e automobilistas pouco prudentes espalham caos no maciço central da Serra da Estrela

A Serra da Estrela viveu um fim-de-semana de pesadelo. Fortes nevões, turistas bloqueados horas a fio no maciço central, escuteiros perdidos e resgatados, bem como acessos congestionados e intransitáveis puseram a nu as lacunas de segurança numa zona propícia a grandes enchentes e onde os visitantes parecem arriscar tudo para ver a neve. Os acontecimentos dos últimos dias revelaram que ainda há muito a fazer na alta montanha, onde os perigos da invernia surpreenderam tudo e todos, autoridades incluídas. Mesmo assim a reacção chegou a tempo de evitar tragédias e desde domingo que a Torre está inacessível devido ao corte da estrada de Piornos, com a GNR a obrigar os visitantes a deixarem o carro na Lagoa Comprida, segundo informações recolhidas junto do Centro de Limpeza de Neve.

No rescaldo do enorme susto, é tempo de reclamar mais efectivos policiais, melhor sinalização e acessos em condições, como é o caso da ligação de Seia ao Sabugueiro e depois à Torre, onde os autocarros nem conseguem virar quando há muito trânsito. Eduardo Brito, autarca senense, voltou a pedir mais atenção para aquela estrada: «Tudo correu normalmente, mas o que é fundamental é resolver o problema desta estrada, como tenho vindo a dizer há dez anos», avisou, sublinhando que as pessoas já estavam na zona da Torre quando começou a nevar «e depois foi preciso tirá-las de lá, o que é muito problemático quando as estradas estão obstruídas». Por isso e para evitar que tudo volte a acontecer, o presidente garante que a Câmara de Seia vai aprovar [na reunião de Câmara prevista para ontem] algumas medidas que quer que o Governo ponha em prática, como o alargamento «imediato» da Estrada Nacional (EN) 339 e a construção de um posto da GNR na aldeia do Sabugueiro. «A estrada tem de ter zonas de viragem e espaços de parqueamento para tornar possível que, em situações idênticas às do último fim-de-semana, carros e autocarros possam inverter, sem problemas, o sentido de marcha, evitando que se instale o caos», explicou Eduardo Brito. Quanto ao posto do Sabugueiro, o autarca considera serem necessários «10 ou 15 efectivos na aldeia, para que haja uma correcta articulação entre o que se passa no cimo da serra e o que ocorre, mais em baixo, no seu acesso».

Turistrela diz-se prejudicada

Também a Turistrela, empresa concessionária do turismo na serra, já alertou para a necessidade de requalificar as estradas no maciço central. Duarte Oliveira, director-geral, explica que já foi possível chegar aos hotéis na terça-feira, mas que as pistas de esqui na Torre estão sem clientes há vários dias. «As acessibilidades da Covilhã até Piornos estão plenas, pode-se andar com facilidade [terça-feira]. Mas dos Piornos até à estância, até à Torre, ainda não se pode transitar. Continuamos com alguns problemas para quem queira fazer esqui», referiu aquele responsável, defendendo que «só é possível garantir que as pessoas cheguem ao ponto mais alto da serra num dia em que não neva melhorando as estradas de acesso». De resto, Duarte Oliveira adianta que essa requalificação deve fazer-se com «alguma urgência», pois as infraestruturas turísticas já existem, o problema são as acessibilidades, «que nos estão a prejudicar um pouco», lamenta. A Turistrela, que investiu mais de cinco milhões de euros na estância de esqui na zona da Torre, esperava receber cerca de 10 mil turistas na véspera do Carnaval, o que não veio a acontecer devido à neve.

A Natureza acabou por escolher o último fim-de-semana para pregar mais uma partida aos visitantes do ponto mais alto do país. O resultado caótico abriu telejornais e relembrou as “armadilhas” do maciço central em dias de nevões. Ao final da tarde de domingo, os bombeiros de Manteigas, Gouveia, São Romão, Loriga e Seia tiveram que resgatar centenas de visitantes bloqueados durante perto de sete horas em autocarros e automóveis na estrada Torre-Sabugueiro/Seia, na zona da Lagoa Comprida/Sabugueiro e Penhas Douradas. Também no domingo, a GNR da Serra Estrela conseguiu salvar um grupo de escuteiros do corpo de escutas do agrupamento da Graça (Lisboa), que se perdeu no temporal de neve que assolou a região. O capitão Fernandes Gonçalves, do Grupo Especial de Montanha da GNR da Covilhã, explicou que os escuteiros, com idades compreendidas entre os 10 e os 30 anos, se encontravam na zona do Cântaro Magro, em pleno maciço central, a pouca distância da Torre.

Condutores «imprudentes»

Fernandes Gonçalves, do Grupo Especial de Montanha da GNR da Covilhã, considera que este tipo de situação poderia ser evitado se os visitantes da Serra da Estrela, «sejam eles quais forem», fossem munidos de conhecimentos sobre a região, antevendo eventuais tempestades, frequentes na zona. Na sua opinião, terá sido a «imprudência» dos condutores que originou o engarrafamento de veículos nas estradas da Serra da Estrela. «As forças de segurança alertam os condutores para as más condições, mas estes parecem não ter consciência da situação», referiu aquele responsável, adiantando, por outro lado, que a sinalização é muitas vezes ignorada. «Existem sempre avisos», tanto para o uso de correntes, como para cortes de estrada, mas muitos automobilistas «alegam diversas razões para subirem a montanha», como o facto de «terem percorrido centenas de quilómetros para verem a neve», afirmou. «É claro que se as pessoas avançam, as coisas podem agravar-se», como aconteceu na encosta de Seia, onde dezenas de veículos tiveram de ser socorridos pelas autoridades, por não estarem equipados com correntes. Como consequência, deslizavam pela estrada e atravessavam-se na via, provocando o congestionamento do trânsito e grandes demoras.

Luis Martins

Sobre o autor

Leave a Reply