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Surdos & Mudos, Lda

Excertos da “Trova do vento que passa” de Manuel Alegre

“Pergunto à gente que passa, por que vai de olhos no chão. Silêncio – é tudo o que tem, quem vive na servidão”.

Antes do “25 de Abril” contestava-se o regime porque não se “podia falar”. Todos consideravam a liberdade de expressão e de pensamento como direitos fundamentais. A liberdade de poder defender causas, defender ideias e conceitos, era fundamental para alicerçar uma sociedade mais justa e humana. Foram muitos os que lutaram pelo direito a ter uma palavra livre. Foram muitos os que sofreram por terem o espírito de rebeldia que os levou a gritar alto aquilo que era proibido.

“Há sempre alguém que resiste, há sempre alguém que diz não”.

Depois do “25 de Abril” confundiu-se liberdade com libertinagem. Valia tudo. Podia dizer-se de tudo. Pois, na verdade, a liberdade de expressão servia – e serve – tanto para o culto como para o néscio. Qualquer biltre era rei num tempo de liberdades confusas, e atropelos. Demoraram as águas revoltas a regressar ao leito. Mas, aos poucos, sobreveio a acalmia dos tempos e a bonança que nos deixa respirar depois das intempéries.

“Vi minha pátria na margem, dos rios que vão pró mar, como quem ama a viagem, mas tem sempre de ficar”.

Hoje, continuamos muito zelosos na defesa dos nossos direitos. Ficamos empertigados sempre que alguém ousa pôr em causa um direito que julgamos nosso – a liberdade de expressão! Indignamo-nos pela suspeita de pressões sobre comentadores e/ou jornalistas. Mas há uma pergunta que se impõe: O que fazemos nós, com a nossa liberdade? – Essa flor de cheiro que orgulhosos colocamos no nosso canteiro, mas tristemente nos esquecemos de regar. Por onde anda a sociedade civil? Onde está a sua voz?

“E o vento não me diz nada, ninguém diz nada de novo. Vi minha pátria pregada nos braços em cruz do povo”.

Somos de novo um povo calado. Com medo de puxar do bolso um direito enxovalhado, mas que é nosso. O direito de expressar o que queremos, o que sentimos, o que pensamos… o direito de ter uma opinião, um pensamento. Voltámos ao tempo do medo em que as sombras nos intimidavam. Ao tempo em que se tem medo de caciques e dos seus moços de recados.

“Vi florir os verdes ramos, direitos e ao céu voltados. E a quem gosta de ter amos, vi sempre os ombros curvados”.

Onde está a sociedade civil? Onde está a sociedade académica? Onde estão os líderes populares? Será que há vida cívica para além dos partidos?

– Como é possível, por exemplo, que tão poucos se tenham insurgido contra a criação de uma comunidade Urbana das Beiras que não agrada a ninguém? Onde estão os empresários? Os professores? O cidadão comum?

– Como é possível que as poucas associações cívicas que aparecem – quer sejam certos ecologistas, ou sindicatos, ou associações contra portagens – sejam quase sempre gaiolas encapotadas de partidos políticos?

Hoje, para além dos partidos políticos ninguém fala. Tornámo-nos Surdos & Mudos, e somos portanto, uma sociedade….limitada.

“E o vento não me diz nada, só o silêncio persiste. Vi minha pátria parada, á beira de um rio triste”

Por: João Morgado

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