Na Guarda, à entrada do Parque da Saúde, o busto do médico Sousa Martins é diariamente o ponto de convergência de muitos crentes da sua ação milagrosa, na linha de uma devoção popular que se manifesta, também em Lisboa (no Campo de Santana) ou em Alhandra.
O singelo monumento que se ergue dentro dos muros do ex-Sanatório da Guarda, a que a Rainha D. Amélia atribuiu o nome deste distinto clínico, continua a ser alvo permanente de preces e agradecimentos; emoldurado de flores e envolvido em diferenciadas manifestações de agradecimentos por graças ou auxílios recebidos, junto dele chegam pessoas dos mais diversos escalões sociais ou culturais.
Oriundas um pouco de toda a região, preferem realçar a fé que depositam na intervenção e auxílio de Sousa Martins, invocando, na maioria dos casos, graves situações de saúde ou momentos de grande desespero.
Qualquer hora do dia é propícia para alguns momentos de recolha espiritual e de preces que radicam na intimidade ou no sofrimento pessoal; mesmo à noite há quem vá ali rezar ou acender uma simples vela.
Ao serem questionados sobre o motivo que as conduz até ao busto daquele clínico as pessoas, regra geral, são parcas em palavras e querem o anonimato, embora declarem que têm «muita fé no irmão Sousa Martins», sustentem a «ajuda recebida» e o considerem um santo. Esta devoção de muitos residentes (ou não) nesta zona do interior não é apenas de hoje; aliás o nome de Sousa Martins está associado à Guarda desde o início do século passado, mercê da estrutura sanatorial que existiu nesta cidade.
A toponímia guardense consagra, igualmente, a memória deste vulto da medicina portuguesa, numa das ruas do moderno Bairro da Senhora dos Remédios, ele que é lenitivo para a dor ou sofrimento de muitos cidadãos anónimos, como se pode deduzir das placas de agradecimento ou objetos de cera deixados junto do seu busto.
José Tomás de Sousa Martins nasceu em Alhandra, a 7 de março de 1843, no seio de uma família com escassos recursos económicos. Órfão de pai, aos sete anos, foi com a idade de doze trabalhar como praticante para a Farmácia Ultramarina, em Lisboa, propriedade de um tio seu, Lázaro Joaquim de Sousa Pereira.
Frequentou o Liceu Nacional de Lisboa e a Escola Politécnica; com aulas de manhã, trabalhava de tarde na farmácia e à noite dava explicações de forma a conseguir receitas para as despesas inerentes à sua formação académica. Concluído o curso de farmácia, em 1864, continuou a frequentar a Escola Médico-Cirúrgica de Lisboa, terminando o curso de medicina aos 23 anos, em 1866; foi sempre um aluno distinto.
Eleito, em 1868, sócio da Sociedade de Ciências Médicas, em 1872 Sousa Martins lecionava já na Escola Médico Cirúrgica, onde viria a reger as cátedras de Patologia Geral, Semiologia e História da Medicina; exerceu atividade clínica no Hospital de S. José, em Lisboa, numa época em que a tuberculose ceifava anualmente milhares de vidas.
Em 1881 a Sociedade de Geografia de Lisboa promoveu uma Expedição Científica à Serra da Estrela, a qual foi integrada, entre outros, por Sousa Martins; dessa iniciativa resultou a elaboração de relatórios das várias secções científicas, que aparecem compilados num volume intitulado “Expedição Científica à Serra da Estrela” e, dois anos depois, o livro “Quatro Dias na Serra da Estrela”, da autoria de Emídio Navarro. A expedição teve o mérito (e sobretudo através da determinação de Sousa Martins), de chamar a atenção dos meios científicos e clínicos para as condições que a região oferecia no tratamento da tuberculose.
Sousa Martins defendeu a implantação de Casas de Saúde nesta zona, impulsionando a fundação, em 1888, do “Club Herminio”, uma associação de carácter humanitário que se manteve durante cerca de quatro anos; no verão desse ano, e correspondendo aos argumentos de Sousa Martins e de Guilherme Teles de Meneses, o médico Basílio Freire, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, instalou-se na Serra da Estrela, onde assegurou consultas gratuitas aos doentes que o procuravam.
Os esforços que Sousa Martins desenvolveu, fortalecidos pelas suas esclarecidas convicções, em muito contribuíram para a construção do Sanatório que viria a ter o seu nome, perenemente ligado à mais alta cidade de Portugal; para a Guarda vieram milhares de doentes que procuravam aqui a cura desta doença infecto-contagiosa provocada pela microbactéria conhecida por “bacilo de Koch”.
A Rainha D. Amélia materializou no sanatório guardense (o primeiro a ser construído pela ANT, inaugurado a 18 de Maio de 1907) a homenagem a Sousa Martins, atribuindo a esta instituição o nome daquele clínico, cuja ação e dinamismo ela tinha já evocado numa intervenção pública da Associação Nacional aos Tuberculosos, realizada em 1889. Sousa Martins, refira-se, tinha falecido dois anos antes, em Alhandra, no dia 18 de Agosto de 1897, depois de ter sido atingido pela tuberculose.
O Rei D. Carlos comentaria que se tinha apagado «a mais brilhante luz» do seu reinado. Guerra Junqueiro, referindo-se à personalidade de Sousa Martins, escreveu que ele se deu «como o Sol dá a luz, aos miseráveis, aos tristes, aos sonhadores. Foi o amigo carinhoso e cândido, dos pobres e dos poetas. A sua mão guiou, a sua boca perdoou, os seus olhos choraram. Teve sorrisos para a graça, enlevos para a arte, lágrimas para a dor».
Numa cidade que não esquece o homem, o médico e o cientista cujo nome foi dado a um dos mais destacados sanatórios de altitude, permanece a devoção popular e a afirmação, a muitas vozes, da sua influência espiritual.
Por: Hélder Sequeira