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Sonho de uma manhã de Abril

sinais do tempo

Sonhar faz parte da nossa vida. Há quem sonhe acordado mas há também quem ao despertar sinta a frustração de que nem a um pesadelo teve direito. ” O sonho comanda a vida…sempre que o homem sonha a terra pula e avança…”. A terra bem que pode avançar, mas a grande maioria dos sonhos (daqueles que sonham) não se concretizam, esfumando-se no tempo, porque esse de forma inexorável não tem retorno. Sonhar acordado é um dom que se esbate após a adolescência, é mesmo um sinal de maturidade, é o deixar de andar nas nuvens que tão bem nos sabia e que tanto irritava os nossos mestres.

Se numa semana sonhava pilotar um carro de ralis, na semana seguinte o sonho mudava. A vantagem de sonhar acordado é que tudo corria bem. Nessa altura sonhava. O som mais estridente da voz da professora ou o toque da campainha interrompiam-me aqueles momentos de glória e de prazer, só meus, muito meus. Nos sonhos eu comandava a minha vida, era o herói e se a terra pulava e avançava, tanto me fazia.

Há 32 anos atrás eu ainda era um sonhador. Assumia a igualdade de classes, defendia o princípio das cooperativas como forma de luta contra o poder latifundiário e do grande empresário, atacava o intermediário e nele via o inimigo dos trabalhadores. Acreditava que era possível que os salários dos trabalhadores dependessem do seu trabalho, independentemente do sexo. As oportunidades no ensino seriam iguais para todos. Via o meu país a desenvolver-se e com capacidade de produzir o que consumia. Os ordenados apesar de diferentes em função da especificidade e responsabilidade do trabalho não teriam um diferencial escandaloso. Os emigrantes iriam regressar para ajudar a construir um país novo. Haveria reformas justas para todos. A luta contra a exclusão não seria palavra vã. Iríamos procurar as energias limpas e a nossa dependência dos mercados externos iria diminuir.

Fui crescendo, o sonho foi dando lugar à dura realidade.

Ao longo deste tempo deixámos que nos governassem ora o Partido Socialista ora o Partido Social Democrata. Por outro lado, os Sindicatos foram perdendo protagonismo, restando como mais activos os dos funcionários públicos.

Algumas dessas vivências da minha imaginação acabaram por se realizar e não tenho dúvidas que em alguns casos o sonho comandou a minha vida. Outras nunca se realizaram nem se vão realizar. Alguns vão-se tornando autênticos pesadelos.

No outro dia sonhei que na minha terra se tinha formado uma cooperativa de artes e espectáculos cujo objectivo seria construir 3 ou 4 cine-estúdios. Sonhei que iríamos voltar a ter cinema nesta cidade, capital de distrito. Como já não acredito em sonhos …

A Reforma

O Estado Previdência está em crise. Não é novidade. Recorrentemente os nossos governantes encomendam estudos para avaliar a insolvência do sistema. O Eng. José Sócrates foi o primeiro a tomar medidas em relação a alguns privilégios dos políticos reformados. Agora propõe-nos a indexação da reforma à esperança de vida. Assim, se vivemos mais, trabalhamos durante mais anos, ou contribuímos mais ou vemos reduzido o valor da pensão.

Se trabalharmos mais tempo, e não se vislumbrando um crescimento no investimento no país, assistiremos a um aumento do desemprego dos mais jovens. Coloca-se ainda outra questão qual a qualidade e quantidade de trabalho a produzir por indivíduos que anseiam o fim da carreira?

A segunda alternativa, obrigar-nos-ia a descontar mais e a vermos o nosso ordenado real baixar ainda mais, não permitindo qualquer poupança para um futuro ainda incerto, perfeitamente dependente de outros estudos entretanto encomendados

A terceira alternativa seria a mais justa permitindo que cada um preparasse a reforma enquanto no activo, gerindo a poupança de forma a evitar a dependência total em relação ao falido Estado Previdência. Admitindo que apesar da promessa de longevidade qualquer doença nos traísse essa vontade, seria menor o prejuízo.

Daqui a dois anos qualquer outro estudo poderá ainda mostrar-nos perspectivas mais negras.

Os sonhos terminaram e a vida é real.

Por: João Santiago Correia

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