Recentemente, uma série de notícias sobre a morte solitária de velhos abandonados em apartamentos provocou uma tomada de consciência sobre o fenómeno. Muita gente mostrou-se horrorizada com estes exemplos de desumanidade. No seu habitual sermão dominical, Marcelo Rebelo de Sousa perorou mesmo sobre as causas e as soluções do problema. Num ponto, pelo menos, Marcelo está enganado. Portugal não se está a afastar dos seus parceiros europeus nesta matéria. Pelo contrário. Verifica-se aqui uma horripilante convergência.
Em França, a canícula de 2003 dizimou mais de 10 mil velhos no espaço de duas semanas. Muitos morreram sozinhos nos seus apartamentos, outros no hospital ou em lares de idosos, mas, fosse lá onde fosse, morreram por falta de assistência.
Os relatos da época são arrepiantes. Velhos mortos há dias, fechados em apartamentos, descobertos apenas porque o cheiro a putrefacção se tornara insuportável para os vizinhos. Centenas ou milhares de mortos enterrados sem ninguém ter aparecido a identificar as vítimas, mesmo após campanhas na comunicação social a divulgar os rostos. O fenómeno, infelizmente, não era novo. Deu nas vistas devido aos números. Houve muita indignação, mas, como é evidente, continuam a morrer velhos todos os dias nas mesmas condições.
Muita gente na altura considerou isto indigno de um país moderno. Viram mal o problema. Só um país moderno seria capaz de tratar os velhos como puros dejectos. Ao contrário, em África ou num país da Ásia tradicional é impensável votar os velhos a tamanho abandono e desprezo. Ainda não são modernos. Como nós.
Estas tristes histórias são mais um sinal do colapso ético das sociedades modernas.
Por: José Carlos Alexandre