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Sócrates e Manuela

Num país dado ao pessimismo e à depressão, o discurso derrotista é o que vai melhor com a quadra. Tem audiência e aplauso garantidos, à esquerda e à direita, servindo às mil maravilhas para incendiar debates televisivos, ou alimentar greves e manifestações. Pelo contrário, palavras como “coragem”, “ânimo” e “energia”, usadas por José Sócrates, não caem bem por estes dias. O que está a dar é o bota-abaixismo e desesperança, seja na boca dos líderes da oposição seja na de alguns ‘gurus’ que nos aparecem nas televisões ao serão a anunciar o apocalipse para a manhã seguinte.

Esta semana tivemos, em duas grandes entrevistas, as duas atitudes opostas. Na TVI, Manuela Ferreira Leite traçando um retrato negro do país, sem adiantar perspectivas nem propostas que possam mudá-lo. Na RTP, José Sócrates, assumindo as “grandes dificuldades” que aí estão, anunciando algumas medidas, necessariamente insuficientes, para apoiar sectores mais frágeis da sociedade, mas mostrando-se seguro das suas opções e procurando transmitir confiança ao país.

A atitude da nova líder do PSD, carregada de um pessimismo sem saída, é a que vai melhor com o ar do tempo. A de José Sócrates corre ao arrepio, prestando-se aos clássicos comentários sobre o desacerto entre o discurso e a realidade. E, no entanto, é o primeiro-ministro que está certo, fazendo o que se espera de um líder político numa situação de crise: que não se renda à adversidade e se esforce por tentar vencê-la.

Dir-se-á que Manuela Ferreira Leite também cumpre o seu papel, pois, se quer substituir Sócrates dentro de um ano, tem que pintar a situação com as cores mais negras. Mas se uma promitente chefe do Governo vem dizer que o país não tem dinheiro para nada; se pede a revelação de estudos que, pelos vistos, são públicos; se sugere o cancelamento de obras – quando as obras são, por si mesmas, geradoras de emprego, de riqueza e até vêm aprovadas por outros governos, incluindo um de que fez parte; se é incapaz, por fim, de uma palavra de esperança, o que está a dizer é que o país não tem presente nem futuro. E dizendo isso sem acrescentar propostas alternativas está a negar-se a si mesmo enquanto alternativa.

A entrevista de Manuela Ferreira Leite à TVI era, no fundo, a sua apresentação pública como presidente do PSD. Precisava de ganhar na comparação com Sócrates – o que não aconteceu -, ou, pelo menos, de causar uma boa impressão nessa primeira grande oportunidade. Até porque, como é sabido, por vezes não há segunda.

TGV ou aeroporto?

Não sei se Lisboa precisa de um aeroporto maior. Mas se há 40 anos que o assunto é debatido por técnicos e políticos de todas as cores, presumo que não andaram a discutir o sexo dos anjos. Só para arranjarem uns negócios chorudos para as empresas de obras públicas. De igual modo, nada sei sobre comboios. Por isso não posso jurar que o TGV se justifica plenamente, ou que, pelo contrário, é um investimento inútil. Só para agradar aos novos-ricos e aos lóbis interessados na sua construção.

O que sei, porque está à vista de todos, é que os preços dos combustíveis não vão parar de subir – podem até baixar conjunturalmente, mas nunca para os valores de há um ano ou daí para trás. Pela simples razão de que o petróleo já mal chega para as encomendas e chegará cada vez menos. Ora, o delírio dos preços não pode deixar de ter efeitos ruinosos no transporte aéreo, como já se está a ver com a TAP e com a generalidade das companhias. As próprias “low-cost” passarão, em breve, a “high-cost” ou à falência. E até que se encontrem substitutos para os hidrocarbonetos, é muito provável que viajar de avião, assim como viajar de automóvel a gasolina ou gasóleo, volte a ser o luxo de há 30 anos ou 20.

Ora, o comboio – e especificamente o de alta velocidade – apresenta-se como uma alternativa ao avião, válida e de futuro, dentro de cada continente. Daí não se perceber bem por que é que, entre os que contestam as grandes obras anunciadas, o TGV aparece como a primeira a abater. Mais depressa se compreenderia o finca-pé no adiamento do novo aeroporto. Afinal, se a procura do avião diminuir, como tudo parece indicar, a Portela pode servir por muitos mais anos do que aqueles que os peritos calcularam numa situação global completamente diferente da que hoje vivemos. Mas isto, claro está, é o que ocorre a quem nada sabe de aeroportos e TGV. Nem de certas campanhas políticas desencadeadas para eleitor ver.

Por: Fernando Madrinha

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