Arquivo

Sócrates

Editorial

1. Na semana passada escrevi aqui que a homenagem prestada pelo Município da Covilhã a José Sócrates era merecida e justa e que ele foi, indiscutivelmente, a mais relevante personalidade do concelho neste século.

Recebi entretanto alguns comentários pejorativos, carregados de fel e de um visceral ódio para com José Sócrates. Aplaudir o simples facto de ele ser justamente homenageado é, para alguns, um despautério, uma leviandade, um disparate, etc. Houve mesmo quem nos escrevesse a dizer que estávamos a reescrever a história…

Como então referi, independentemente da interpretação ou opinião que possamos ter sobre o desempenho político do governante Sócrates, ele foi uma personalidade ímpar no panorama político regional (e nacional). Foi um governante que cometeu erros e é um dos principais responsáveis pela crise em que mergulhámos, mas foi também um governante com horizontes e ambição para o país. Foi um governante que deixou Portugal à beira da bancarrota, mas foi também ele o primeiro-ministro que conseguiu que Portugal tivesse o défice mais baixo (até agora e sem “esfolar” os portugueses como acontecerá este ano). Foi o rosto de muitas polémicas, mas foi também o principal impulsionador do desenvolvimento de sectores como a energia eólica e toda a indústria associada (e ainda os benefícios da energia limpa, os rendimentos de autarquias e os ganhos dos proprietário de cabeços que nada valiam). Foi o técnico que assinou a autoria de projetos polémicos, de «casas feias», que os amigos projetaram no concelho da Guarda, mas foi também quem impulsionou o projeto do novo hospital da Guarda enquanto outros andaram a arrastar os pés durante anos. Foi o responsável por desencravar o nordeste beirão e o Alto Douro com a construção do IP2 para Norte, em perfil de autoestrada até Trancoso, ainda sem portagem, e a A23, ainda que depois tenha sido obrigado a optar pelo portajamento das ex-scut. Enfim… para o bem e para o mal, José Sócrates fica para a história. E ao ser homenageado ou simplesmente figurar com destaque na primeira página deste jornal, não estaremos obviamente a reescrever a história, estamos antes e apenas, a ser justos com aqueles que, legitimamente e mesmo errando, têm na história o relevo e proeminência que merecem. Mesmo que Cavaco Silva teime em não condecorar Sócrates – que é o único ex-primeiro-ministro que não foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Cristo.

2. Manuel Pinho foi, precisamente, ministro da Economia de José Sócrates. Segundo o Expresso do passado sábado, Pinho processou o BES porque deixou de receber o salário mensal ilíquido de 39 mil euros. Na verdade, o ex-ministro já não fazia nada, mas oficialmente era desde 2010 administrador do BES África, onde recebia esse salário chorudo por 14 meses de suposto trabalho. Mas não só: desde que saiu do governo (depois daquela brincadeira pouco edificante no Parlamento) o BES convidou-o também para uma direção onde acumulava mais três mil euros, com direito a carro, assistente, secretária e cartão de crédito com plafond até 25 mil euros ano… Em janeiro, o BES começou a cair e retirou a Pinho as muitas benesses que Ricardo Salgado lhe oferecera. Na verdade, o que o BES fazia era o pagamento de simpatias e favores a um ex-ministro. O BES saberia porquê. E Pinho também. O regime podre em que temos vivido, e de que os partidos do arco do poder são responsáveis (e José Sócrates também), está prestes a implodir. Mas entretanto, muitos dos que andam por aí, a saltitar entre a banca e as grandes empresas, entre as administrações públicas e os tachos para parasitas e boys, vão enchendo os bolsos mesmo que o país esteja na bancarrota e os portugueses cada vez mais pobres.

Luis Baptista-Martins

Sobre o autor

Leave a Reply