É mais uma má notícia para os trabalhadores da Delphi. Os 524 efectivos que serão despedidos até ao final do ano vão ter que pagar IRS sobre o valor das indemnizações a atribuir pela multinacional de cablagens. Tudo porque a legislação só prevê a isenção fiscal para montantes compensatórios calculados até ao mês e meio por cada ano de trabalho. Como aceitaram a proposta da empresa – dois meses –, os valores que os dispensados vão receber serão ilíquidos.
Foi o Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e Afins (SIMA) que deu conta da situação. «Já não bastava as indemnizações serem coisa nenhuma relativamente aos anos de trabalho e às doenças profissionais que a grande maioria arranjou nas linhas de produção para terem que pagar ao fisco. Ainda tentámos que a empresa assumisse alguma coisa, mas esta recusou voltar atrás», adianta José Luís Besteiros, coordenador do SIMA na fábrica da Guarda-Gare. Contudo, este não é o único motivo de preocupação dos trabalhadores. No final da semana passada, os principais sindicatos representados na Delphi manifestaram a sua preocupação relativamente ao envio de trabalhadores da fábrica da Guarda para a Roménia, para onde já viajaram 134 operários, sendo que os últimos 50 seguiram ontem. «Ao que parece, eles não estão a receber formação, mas a trabalhar em produções que os romenos não conseguem fazer», denunciou aquele sindicalista.
Segundo José Luís Besteiros, esta será a forma encontrada para resolver «a falta temporária de mão-de-obra naquela fábrica, porque muitos operários terão saído para os trabalhos sazonais na agricultura, que dá muito dinheiro». O dirigente disse estar ainda a recolher mais elementos sobre a situação, mas o que garante é que os funcionários da Guarda não sabem ao que vão concretamente. «Vão “às escuras” para a Roménia e são postos entre a “espada e a parede”. É isso ou o despedimento», sublinhou. Por outro lado, o coordenador do SIMA desconfia que a medida já estava programada pela Delphi «mesmo antes dos despedimentos». «Há a questão da falta de mão-de-obra na Roménia, mas também o facto da empresa evitar pagar, com esta solução, uma indemnização aos 226 trabalhadores que seriam despedidos no final de Junho por incumprimento dos prazos legais de comunicação do despedimento, isto é os dois meses de antecedência», refere.
Trabalhadores sem condições na Roménia
Para fundamentar esta tese, José Luís Besteiros acrescenta que quem vai preferencialmente para aquele país de Leste são os elementos de uma linha específica de produção, a do Twingo X06, justamente aquela que termina no final do mês. O dirigente sindical denuncia ainda que a fábrica da Guarda já está «a ser esvaziada da sua capacidade produtiva», pois a empresa iniciou a transferência de algumas máquinas de corte e cravação de fio para Castelo Branco, tendo já saído da Guarda três máquinas. «Isso talvez queira dizer que já não virá nenhuma encomenda da Roménia para a Guarda», receia. De acordo com o SIMA, o número de colaboradores convidados a ir trabalhar para a Delphi na Roménia situa-se entre 180 e 200. Entretanto, houve já contactos com sindicalistas daquele país para acompanhar a situação dos trabalhadores portugueses, enquanto que, por cá, foram solicitados esclarecimentos ao Governo sobre a legalidade desta actuação da Delphi.
Entretanto, a administração, citada pela agência Lusa, negou qualquer intenção de transferir mão-de-obra da fábrica da Guarda para a Roménia, reafirmando a determinação da empresa em receber uma encomenda proveniente daquele país. José Couto, administrador da multinacional e director de recursos humanos, não deu indicações sobre o tipo de trabalho que será transferido para a unidade fabril portuguesa, adiantando apenas tratar-se de «um cliente automóvel». E garantiu que a ida de funcionários visa somente «criar condições» para a satisfação do pedido proveniente da unidade fabril daquele país. «Estão a ir para a Roménia para preparar essa mudança, para criar condições para que as nossas obrigações com o cliente não tenham qualquer problema», afirmou, acrescentando que aquela fábrica está «a necessitar de alguma ajuda e contactámos as pessoas da Guarda para irem fazer esse trabalho». José Couto assegurou ainda que «a intenção e a decisão de fazer a encomenda da Roménia em Portugal mantém-se em absoluto», rejeitando as suspeitas lançadas pelo sindicato.
Por outro lado, esclarece que a empresa não está a obrigar os trabalhadores a deslocarem-se para aquele país. «As pessoas estão a ir numa base de voluntariado. Estamos a sondá-las para ver se podem ou não aceitar essa transferência temporária», adiantou, garantindo que «ninguém vai obrigado». Contudo, alguns relatos feitos a “O Interior” por familiares de trabalhadores que foram para a Roménia falam em condições «pouco dignas de alojamento, má alimentação e 12 horas de trabalho seis dias por semana, mais duas horas de viagem até à fábrica», que se situará numa região isolada.
Luis Martins