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Sheikh Mate

Quebra-Cabeças

O Sheikh Ahmed Yassin era quase cego e praticamente surdo. Era ainda tetraplégico, na sequência de um acidente durante um jogo de futebol quando tinha apenas doze anos. Apesar disso era o responsável máximo do Hamas, principal movimento terrorista palestiniano. Parece ainda que tinha filhos. Ou pelo menos havia quem o chamasse de pai. Sabe-se que era um feroz opositor aos esforços de paz e às negociações com Israel, de que pretendia nada menos do que a destruição total. Por isso, cada vez que se entabulavam novas negociações reacendia o Hamas a espiral de violência e esta continuava até que os Israelitas, sob pretexto dos ataques terroristas, abandonassem a mesa. Arafat, por sua vez, condenava formalmente cada novo atentado e prometia punir os responsáveis. O responsável máximo por boa parte desses atentados e das centenas de mortos que causaram acaba por sua vez de morrer e Arafat decreta três dias de luto nacional na Palestina em sua honra.

Poderia agora especular-se sob o significado deste luto e fazer-se a recapitulação exaustiva do que aconteceu durante as últimas rondas de negociações de paz, falhadas por culpa, entre outros, de Ahmed Yassin. Seria uma forma de desmascarar Arafat e a sua diplomacia de duas faces e de demonstrar que o terrorismo é afinal a ideologia oficial da autoridade palestiniana. Mas seria de mau gosto. Morreu um homem, um inválido, preso numa cadeira de rodas e nos labirintos do seu ódio. Morreu alguém que apenas sentia prazer, se sentia, no sofrimento infligido aos outros. Alguém que mantinha com o mundo um longo historial de ressentimentos.

Confesso que não tenho pena da sua morte. Era a morte que ele queria e que perseguia desde a adolescência. Toda a gente, e também a Mossad, sabia que ele ia todos os dias àquela mesquita, àquela hora. O seu Range Rover sem matrícula era o carro mais notório de toda a Palestina e ele ainda não tinha sido morto apenas porque não tinha chegado a hora mais oportuna. Não tenho pena da sua morte porque ele era uma pessoa má, porque era culpado de muitas mortes inúteis e gratuitas e porque vai continuar a ser responsável por muitas mais.

Interessa-me é isto: a personalidade mais querida dos Palestinianos era alguém que não sabia ouvir e que não podia ver. Alguém fechado dentro de si mesmo, a que se não podia aceder e a quem era impossível, até pelas suas limitações físicas, admitir algo que fosse contra os seus dogmas ou ofendesse os seus postulados. Como se pode sequer imaginar a possibilidade de negociar algo com este homem?

Por: António Ferreira

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