Arquivo

Serviços técnicos da Câmara da Guarda terão repreendido Sócrates por «desleixo profissional»

Os projectos de engenharia que o actual primeiro-ministro fez no concelho na década de 80 voltaram a dar que falar esta semana

José Sócrates terá sido afastado de projectos que dirigia na Guarda, há cerca de duas décadas, após várias repreensões por parte da autarquia por «desleixo profissional», noticiou o “Público” na passada segunda-feira. O jornal revelou ainda que o então engenheiro técnico terá elaborado «pelo menos 21 projectos» entre Outubro de 1988 e o final de 1990, quando era deputado em regime de exclusividade, responsabilizando-se também pela correta execução das respectivas obras.

O jornalista José António Cerejo analisou 26 processos de licenciamento do arquivo municipal guardense e chegou à conclusão que os últimos anos do actual primeiro-ministro enquanto engenheiro técnico foram criticados, entre 1987 e 1991, pelos serviços técnicos da autarquia devido à falta de qualidade desses projectos e por não acompanhar devidamente as obras. Em três dos projectos consultados pelo “Público”, Sócrates terá mesmo sido substituído da direcção técnica de obras particulares sem que essas mudanças tenham sido solicitadas pelo próprio ou pelo dono da obra. «Em dois dos casos, a alteração deu-se após repreensões por escrito de Abílio Curto, então presidente da edilidade», refere a notícia, segundo a qual o primeiro-ministro terá sido inclusivamente ameaçado com sanções disciplinares. O visado reagiu num comunicado para garantir que não recebeu «qualquer tipo de remuneração» pela elaboração dos projectos de obras em causa quando era exclusivo na Assembleia da República (AR).

Numa «nota de esclarecimento» dirigida à direcção do “Público”, emitida pelo seu gabinete de imprensa, o primeiro-ministro assumiu a autoria desses trabalhos: «São da minha responsabilidade, foram elaborados a pedido de amigos e sem que eu tenha auferido qualquer tipo de remuneração. Repito: sem auferir qualquer remuneração, em conformidade, portanto, com as normas legais de exclusividade em vigor» na AR no final da década de 1980. «Aproveito ainda para esclarecer que sempre cumpri todos os meus deveres e exigências profissionais, mesmo em caso de divergências ou discordâncias, que são próprias desta actividade, com as entidades administrativas competentes na apreciação e aprovação de projectos», sublinhou ainda José Sócrates, que recordou ter sido ele próprio a pedir para sair da Câmara da Guarda quando assumiu novas funções no Parlamento, pelo que «é falso que tenha sido afastado por desleixo profissional».

Por sua vez, Abílio Curto afirmou não ter tido conhecimento do afastamento do engenheiro enquanto era presidente da Câmara. «Pode eventualmente ter sido advertido, como foram dezenas de técnicos que apresentaram projectos que, sob o ponto de vista técnico, não estariam em cumprimento com o regulamento geral de edificações urbanas. Quanto ao resto, desconheço em absoluto a interdição do engenheiro Sócrates como técnico na Câmara da Guarda. Isso não corresponde à verdade», declarou à TSF. De resto, o ex-autarca considera que está em curso uma «saga de destruição» contra o actual primeiro-ministro por parte do jornalista do “Público”. «É estranho que só se tenham preocupado com um técnico que, por curiosidade ou coincidência – ou mesmo as duas coisas – é hoje primeiro-ministro. Em 2008, o mesmo jornalista fez uma peça para se averiguar o que o engenheiro Sócrates teria feito de errado, a Câmara abriu um inquérito, não havendo mais reclamações, e agora voltam com outras versões. O jornalista está empenhado positivamente numa saga de destruição de um homem e de um político que é o engenheiro José Sócrates e o primeiro-ministro de Portugal», considerou Abílio Curto.

Comissão pouco esclarecedora

Em 2008, outra notícia do “Público” trouxe para a ribalta os projectos de engenharia assinados por José Sócrates na década de 80 na Guarda. Desta vez, a autarquia criou uma comissão interna de averiguações que conclui não ter havido «tratamento procedimental privilegiado» por parte dos serviços técnicos.

Para sustentar esta tese foram comparados os 23 projectos elaborados pelo actual primeiro-ministro, então citados pelo jornal, e mais 18 processos de obras particulares instruídos nos anos 80, escolhidos aleatoriamente no arquivo do município. «Da análise de ambos os conjuntos não resultarão diferenças assinaláveis quanto aos procedimentos internos dos serviços de obras particulares», lê-se no relatório, divulgado no final de Janeiro do ano passado e a que O INTERIOR teve acesso. A comissão acrescenta ainda que «os técnicos assinalaram, nos processos, as desconformidades com as disposições normativas em vigor», a maior parte das quais foi solucionada posteriormente. Resulta também do documento que as averiguações consistiram apenas na análise de documentos, não tendo sido pedidos esclarecimentos adicionais a ninguém.

A comissão também não quis saber se Sócrates assinou, alegadamente, projectos elaborados por técnicos da Câmara – a chamada “assinatura de favor”, que, por isso, estavam legalmente impedidos de os fazer. O assunto ficou resolvido quando o primeiro-ministro assumiu «publicamente» a autoria dos mesmos, afastando as suspeitas que recaíam sobre Joaquim Valente, presidente do município; Fernando Caldeira, director de departamento; e António Patrício, actualmente em comissão de serviço na Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro.

José Sócrates terá elaborado «pelo menos 21 projectos» quando era deputado em regime de exclusividade, noticiou o “Público”

Serviços técnicos da Câmara da Guarda terão
        repreendido Sócrates por «desleixo profissional»

Sobre o autor

Leave a Reply