Ouvi queixas de alguns comerciantes da Guarda sobre o suposto Freeport instalado no NERGA no passado fim-de-semana. Dizia-me uma comerciante da cidade que tinha telefonado para os promotores da iniciativa, a perguntar se podia aderir e instalar um pavilhão próprio, e que lhe tinham dito que não. Fui ver. Os anúncios na rua, um pouco por toda a parte, prometiam descontos até 70%. Paguei um euro para entrar e dei uma pequena volta.
Estava de novo na rua, passados breves vinte minutos, com um queijo picante da Beira Baixa como única compra. De resto, nada de interessante. Nada que justificasse uma deslocação ou sequer um protesto: aquilo não passava de uma espécie de feira em recinto coberto, sem nada de especial a não ser preços baixos para mercadorias em geral de baixa qualidade. Muito pronto-a-vestir, muito produto chinês, muita coisa que tinha como única vantagem competitiva o baixo preço.
Não percebi o interesse da iniciativa nem, sobretudo, a provocação aos comerciantes locais. Estes têm sobrevivido com dificuldades numa luta inglória contra as grandes superfícies. Não conseguem os mesmos preços, não podem praticar os mesmos horários, não têm conseguido produzir argumentos que façam regressar os fregueses de antigamente. A mercearia de bairro desapareceu, ou pelo menos agoniza. Os rés-do-chão que os empreiteiros reservam com optimismo ao comércio ficam devolutos anos a fio, ou fecham passado pouco tempo da abertura.
Com o encerramento ao trânsito da Praça Velha, que implicou a desistência da criação aí de um parque de estacionamento subterrâneo e a divisão da cidade em dois, com uma divisória que vai da igreja da Misericórdia ao Hospital, os comerciantes situados a poente dessa linha, incluindo a maior parte da zona histórica, ficaram segregados do resto da cidade – onde se acumulam agora os serviços e a maior parte dos residentes. Se repararem bem, para aquele lado temos apenas, e já não é pouco, o IPG e as Lameirinhas. O grosso da cidade cresceu entretanto para a outra encosta e, com o definhamento do IPG e a degradação geral das Lameirinhas, parece estar a deslocar-se cada vez mais para nascente. É como se a cidade deslizasse aos poucos pela outra encosta abaixo.
A verdade é que a cidadela, a zona histórica, apesar de estar situada no “lado errado”, é das poucas mais valias que a cidade tem a apresentar. (A localização desta é outra mais valia, mas convinha acelerarem o processo da PLIE.) Mas como valorizar essa zona histórica, como dar-lhe vida sem um comércio dinâmico e optimista? E não me digam que o Centro Comercial que é suposto abrir em finais do próximo ano vai resolver o problema, trazendo dinamismo e visitantes à zona: os centros comerciais são fins em si mesmos; as pessoas vão lá para irem lá, não para darem uma volta pelas redondezas.
Sugestões:
Um passeio: Salamanca. Os hotéis estão baratos, o centro da cidade foi recuperado, há muitos parques de estacionamento e há movimento e pontos de interesse um pouco por todo o lado. Quem quiser grandes superfícies e centros comerciais, tem muito por onde escolher – na periferia da cidade.
Um livro: On Food and Cooking – The Science and Lore of the Kitchen (Harold McGee, Scribner 2004). Um clássico de 1984, recentemente revisto e reeditado. O que acontece a um bife quando fica demasiado tempo na frigideira e porquê? Não é que a minha técnica tenha melhorado, mas agora posso queixar-me com mais conhecimento de causa.
Por: António Ferreira