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«Se não fosse o esforço financeiro da Câmara, o TMG tinha deixado de existir»

Américo Rodrigues fala da “deserção” do Ministério da Cultura e da consequente asfixia financeira no Teatro Municipal da Guarda. Admite que a gestão seguida no primeiro ano de actividade foi «suicidária» e pôs em causa a continuidade do projecto. Contudo,

P – O que vai fazer se se mantiver o orçamento deste ano?

R – É uma suposição à qual não gostaria de responder. Acho que o TMG e a Guarda deviam ter a ambição de serem melhores. No caso do teatro, a de ter projecção internacional, uma coisa que tinha no primeiro ano com espectáculos e apresentações únicas na Guarda.

P – Portanto, não está em causa pôr o lugar à disposição?

R – Não.

P – Mas no caso do orçamento atribuído ser insustentável para aquilo que pretende fazer?

R – Voltarei à Câmara Municipal, da qual sou funcionário, quando não houver condições para continuar no lugar.

P – A política cultural da autarquia teve altos e baixos na sua dinâmica. Actualmente, exceptuando o TMG, há muito pouca actividade. Isso pode ser o reflexo de questões financeiras ou da falta de orientação, que poderão ter uma consequência gravosa nesta área?

R – O vereador do pelouro da Cultura vai apresentar à Câmara um plano de reestruturação dos equipamentos culturais da cidade que parte do diagnóstico, que é preciso corrigir, de que as coisas não têm corrido muito bem em termos de coordenação e de definição de identidade de cada equipamento. Foi nomeada uma equipa de trabalho, que integrei, que chegou a determinadas conclusões que serão apresentadas por Virgílio Bento. É necessário haver uma concertação de esforços nesta área, caso contrário corre-se o risco de não haver dinâmica cultural na cidade além do TMG.

P – Vai ser a Culturguarda a gerir os diferentes equipamentos culturais da cidade e do concelho?

R – O vereador da Cultura vai anunciar a sua proposta, mas agrada-me a ideia de que a Culturguarda seja utilizada para os fins para que foi criada.

P – O TMG integra a Rede de Teatros de Castela e Leão. É uma aposta que será potencializada no futuro?

R – Há uma má novidade. Temos uma colaboração muito profícua com a Junta de Castela e Leão e isso vai notar-se na próxima programação, em que há, pelo menos, duas grandes actividades em colaboração. No entanto, houve mudanças na Junta e a conselheira da área da Cultura saiu. A sua sucessora demitiu os responsáveis pela rede de Teatros e, segundo soube, põe mesmo em causa a sua existência por duvidar se é função da Junta dinamizá-la e alimentá-la. De facto, era uma situação muito vantajosa, pois pagava 60 por cento de qualquer “cachet”. Se essa intenção se concretizar, o nosso protocolo deixa de fazer sentido, mas espero que haja ponderação e que a rede continue. Em Portugal, os responsáveis de alguns equipamentos também estão interessados em trabalhar em rede visto que a tutela não quer responsabilizar-se por uma rede onde teria grande preponderância na atribuição dos meios – julgo que não quererá comprometer-se com isso. O TMG, por exemplo, tem várias parcerias com teatros e instituições.

P – Isso já acontece na contratação de alguns espectáculos internacionais. Mas não faria sentido conseguir mais eventos e economizar meios através dessa rede ou da associação com outras instituições?

R – Faz todo o sentido ter uma rede de cine-teatros ajudada pelo Estado, assim como também fazem sentido outras redes. O TMG pertence a uma rede de novo circo e vamos integrar outras com certeza. Muitas vezes são as empresas comerciais que criam essas dinâmicas de circulação, pois desafiam-nos a aderir a esta ou aquela digressão.

P – Há a possibilidade ou a pretensão do TMG vir a ter alguma actividade referência que possa afirmar-se no contexto nacional?

R – Isso era desejável para a Guarda. É indiscutível que o TMG e a cidade sempre tiveram uma programação variada e de qualidade. Difícil tem sido criar um evento com repercussão nacional. Por incrível que pareça, o evento com mais impacto internacional era um pequeníssimo festival que já promovíamos, o “Ó da Guarda”, dedicado à música improvisada. Julgo que a Guarda devia fazer um grande festival multidisciplinar e internacional, que, pela sua qualidade e selecção de nomes de primeiro plano a nível internacional, fizesse com que os olhos da comunicação social e do público em geral se concentrassem na cidade.

P – Mas não acha que um festival multidiscplinar é mais difícil de impor do que um evento mais específico?

R – O problema é que já há muitos. Quisemos fazer um festival de cinema no TMG e encarámos diversas hipóteses, mas já existe de tudo e pouco por onde escolher que tenha impacto. Se calhar a ideia era um evento que criasse relações entre todas as artes, mas, atenção, esse festival não seria unicamente do TMG e teria que envolver muitas pessoas e equipamentos. A Agência para o Desenvolvimento pediu-nos uma proposta para um festival de cultura judaica no Verão. Aqui está uma boa ideia, não só porque nos pediram para pensar nisso, como estão a pensar nisso para a cidade.

P – O que poderá ter falhado ao longo dos últimos anos para a Guarda não ter tido esse grande evento?

R – O que falhou sempre foi o dinheiro e não a criatividade das pessoas envolvidas ou a dinâmica de alguns protagonistas. É muito comum na Guarda as coisas não se afirmarem e serem abandonadas. Há ali uma barreira, que pode ser psicológica, mas deve-se quase sempre ao facto da cidade não acreditar nos projectos, além da divisão que existe. Há aqui uma impotência, que é fictícia, de ultrapassarmos determinados patamares. De tudo o que já se fez na Guarda haveria com certeza um evento que poderia destacar-se. Fizemos, por exemplo, um festival internacional de teatro de rua quando ninguém ouvia falar disso em Portugal. Mas parou ali.

P – O TMG também corre esse risco?

R – O TMG e todas as iniciativas que se façam na Guarda. Mas por falta de ambição e não por não haver dinheiro, porque este administra-se. Acho que é falta de utopia…

P – A sua aposta é pugnar por uma ideia objectiva e defender um projecto?

R – Tenho apresentado variadíssimas ideias, o problema é esbarrarem muitas vezes com esse discurso da falta de dinheiro ou de vontade. Teremos talvez que abdicar de algumas coisinhas que se fazem para termos mais dinheiro para eventos grandes, como se fez, de alguma forma, nas comemorações do Oitavo Centenário da cidade. O TMG pode ser o catalizador de iniciativas no meio, como fez com os espectáculos “Guarda: Paixão e Utopia” ou o idealizado para as comemorações do centenário do Hospital, em que houve muito envolvimento e um entusiasmo sem reservas. No entanto, outras vezes somos completamente ignorados, o que me custa perceber. Como é que a cidade investiu tanto no TMG e depois, sabendo que podemos prestar determinado serviço com mérito, não se recorre sequer a nós para apresentar uma simples proposta? Acho que já damos muito à Guarda, mas esta deve exigir de nós ainda mais e transparência nas contas e no trabalho que fazemos. Tem sido determinante o acompanhamento crítico do que faz o TMG, até porque alterámos procedimentos em função do que nos diziam, líamos ou ouvíamos.

P – Há algum aspecto em termos da gestão ou da programação que considera relevante para o futuro?

R – Para além do orçamento, que permitiria fazer as actividades que julgo necessárias, vamos reforçar o Serviço Educativo, que vai trabalhar duas vezes mais. Temos o patrocínio da Águas do Zêzere e Côa para que este serviço se relacione mais com a cidade, as crianças e que traga milhares delas de forma sistemática. Mas há outro aspecto mais comezinho: gostava que as obras terminassem. Há um problema com a cobertura do pequeno auditório que se arrasta desde o início da obra e que já devia estar mais que resolvido, assim como as luzes do exterior que funcionam às vezes. Acho que dois anos e meio é tempo mais que suficiente para pôr as coisas a funcionar. Também desejava que houvesse uma rede de “mupis” e de mobiliário urbano para divulgarmos as nossas actividades. Por outro lado, queria que o TMG fosse incluído na sinalética da cidade, pois só há muito pouco tempo foram postas três ou quatro placas, mas a indicar o nosso parque de estacionamento. Essa é uma queixa feita frequentemente por pessoas que vêm de outras cidades.

P – E do ponto de vista da programação?

R – Há uma grande alteração. É que o teatro deixou de ter tantos riscos na contratação de artistas, porque já está afirmado junto de empresários e agentes nacionais. Como sabem que funciona bem e não há, previsivelmente, problemas, conseguimos fazer parcerias para que os espectáculos sejam contratados à bilheteira. O que quer dizer que nunca perderemos dinheiro. Trata-se de grandes espectáculos no próximo trimestre que serão feitos em condições muito vantajosas para o TMG de divisão de bilheteira.

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