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Scolari a Primus

Estava muito longe de algum dia poder vir a escrever sobre futebol – e, de facto, também não é sobre ele. Com absoluto respeito por todos quantos vão aos estádios ou são espectadores na TV, o futebol vejo-o como uma alienação – embora não alienação como Savater a entende (recente entrevista ao DN). O que a vida postula para cada um de nós e as possibilidades que nos propicia estão infinitamente além dele.

Sucede é que tal actividade (desporto, para mim, na melhor das hipóteses, só para 22) se avantajou tão desmesuradamente na vida Grei, o comportamento da Selecção trouxe-nos tantos ensinamentos – e de tão singular qualidade –, deu-nos tantas respostas decisivas e alegrias, confirmou uma postura que,para mim, é irrenunciável, que, escrever sobre esta “matéria”, mais que um gosto tornou-se-me um imperativo.

Milhões, biliões, triliões de calorias de energia positiva, exponenciadas (Força Portugal!), transferiram-se para a Selecção; e transferiram-se para a Selecção por uma só razão – Scolari.

Mas Scolari porquê? Não apenas porque Scolari é espiritual – intrínseca, suma e potentemente espiritual – como por o técnico ter o perfeito alcance de quem é e do que o espírito pode.

E quando é que o espírito pode? Quando tem a categoria para seguir o seu próprio caminho, sabe que não há outro, e que este caminho e só este é uma ligação a tudo – e todos, claro. Por outras palavras: o espírito pode quando é religioso – condição básica – , portanto humilde, esforçado e incessantemente, busca os livros.

Scolari (que nome afortunado!; escolar, o que aprende, o que se transformará em escol) é devoto das virgens de Caravaggio e de Fátima.

… O esforço. Situando-se no puro domínio do espírito sente que é nele, dele, que promana toda a energia; que requer um trabalho incessante; que imprimir carácter é a vista de um altaneiríssima ave que tem perfeita consciência de como todos os pormenores se situam nos mais inesperados lugares, são importantes e, potencial e realmente psicagógicos, insignes transformadores.

Por baixo da porta do quarto dos seus jogadores introduzia mensagens das quais uma era: «Sem erros e correcções não aprenderíamos a andar». Pecamos, mas continuamos a pedir a Deus que nos ajude – e o esforço redundará em intrínseco optimismo.

… Esforço. De uma atitude de esforço virá sempre um resultado cujos beneficiários somos, primeiro eu, depois os outros. Ou seja: os beneficiários são todos. A desmesurada energia positiva que a Grei, sem limites de generosidade, lhe endossara, acaba por tê-la de volta em inimaginável alegria.

E uma selecção só pode existir em auto-ajuda. Voando como uma águia, de João Roberto Gretz, um agricultor que se transferiu para São Paulo para estudar História e escrever tratados de auto-ajuda, foi uma das obras de onde retirava as mensagens que deixava aos seus jogadores.

Neste Mundial, este era o seu livro de cabeceira. A tese remete para o factor emocional como princípio fundamental para retirar o máximo rendimento dos atletas. (A propósito! O leitor já comprou algum livro de Daniel Goleman que o Círculo de Leitores tem andando a editar? O último, um diálogo com Dalai Lama, acaba de surgir).

O espírito determina que se fale tranquilamente, se viva em “espírito de corpo”, como dizem os militares, e se perdoem os deslizes dos outros – porque se compreendem e aceitam.

Em suma: os outrora brandos portugueses têm hoje, talvez, a melhor Selecção do Mundo. A presumível corrupção da FIFA coloca-a… em 8º lugar. O sábio Scolari foi claro: «Neste campeonato Portugal era o “patinho feio”».

Um conjunto de personalidades tem afirmado que Portugal devia ser entregue a estrangeiros deste gabarito, porque estamos entre os melhores do Mundo. É verdade. Na área das Humanidades – que, primacialmente, interessa – a Universidade portuguesa refestela-se no erro, com gente, às vezes de insignificante categoria, a crer-se intocável. Não se trata de depreciar, mas de chamarmos a atenção para o facto de só a espiritualidade ser matriz e critério – e não a miséria do laicismo com os seus positivismos, marxismos ou quejandos.

Quanto à Igreja Católica Romana, tal qual tenho andado a dizer, tem que abrir-se e afirmar-se com uma subtileza e uma força que lhe desconhecemos.

Sem desprimor, Scolari vale infinitamente mais que alguém como Cavaco ou Sócrates.

Ficar a treinar só até 2008!? Que estupidez!!!!!!! O navarro João Maria Tudela, há anos nacionalizado português, chama a Scolari “portuguesíssimo” ( DN d’ ontem). Tem exponenciada autoridade e secundo-o absolutamente. Mais. Scolari, tocantemente, elogia Portugal.

Os próceres que o tornem português “honoris causa”. E, para futuro, “estoriadores” que não falem dele.

No próximo campeonato, pela primeira vez, porei uma bandeira portuguesa na varanda.

Guarda 14-VII-06

* Alguma informação retirada de El País (1-VII-06)

Por: J. A. Alves Ambrósio

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