Victor Teixeira foi membro da Comissão Regional de Socorro aos Presos Políticos no distrito de Castelo Branco e tinha 30 anos quando se deu o 25 de Abril. Uma Revolução que o “salvou” de ser preso pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE).
Com o pai a trabalhar como operário numa fábrica de lanifícios na Covilhã, Victor Teixeira desde cedo sentiu na pele e no seio da família os efeitos da repressão que se vivia na altura. «Ele saía de casa à segunda e só regressava sexta-feira. Levava uma lancheira com comida para toda a semana e dormia lá», recorda o covilhanense, que admite que isso o ajudou «a cimentar uma luta de classes e a ver que Portugal era um país de sacrifício para alguns».
Apesar das dificuldades, o seu pai nunca se envolveu na luta política. Já o filho começou a ter «consciência política» aos 24 anos e em 1968 associou-se ao Movimento Democrático Português (MDP/CDE), apesar de antes já ter ligações ao Partido Comunista Português (PCP). Victor Teixeira não mais parou e em 1973 foi delegado do Congresso do MDP, em Aveiro. Estava longe de imaginar que a partir desse dia seria vigiado, 24 sob 24 horas, pela PIDE. «No meu cadastro estão descritas todas as ações em que eu participava», refere o covilhanense, identificado pelo processo Nº 11.080, que tem na sua posse. As folhas amarelas, onde as letras já começam a desaparecer, não deixam margem para dúvidas: se não fosse a Revolução dos Cravos, 30 elementos da região, desde Castelo Branco à Covilhã, seriam presos pela PIDE no dia 28 de abril de 1974. «Foi uma sorte, foram três dias que nos salvaram», conta, com alguma emoção, lembrando que «tínhamos noção de que erámos vigiados de perto, mas não sabíamos por quem».
O Café Montiel, no centro da Covilhã, era um dos pontos de encontro do grupo, que reunia frequentemente. Mas os seus elementos estavam longe de imaginar que entre eles estava um informador da PIDE: «Só descobrimos isso alguns dias após a revolução porque, quando fomos ver os nossos processos, reparámos que em todos constava sempre o nome dos membros que estavam nas reuniões e havia sempre uma referência “A fonte”», adianta Victor Teixeira, lembrando, em tom de brincadeira, que «normalmente ele era o secretário» dos encontros. E o que lhe fizeram quando descobriram? «Obrigamo-lo a confessar tudo, mas depois nunca mais o vimos», afirma, dizendo que muitos dos que se aliaram à PIDE «nem sabiam o que estavam a fazer, era só mesmo pela questão financeira».
Antes do 25 de Abril e sempre que havia ações revolucionárias em Portugal, a casa de Victor Teixeira, e de outros como ele, serviam de teto: «Eram entrepostos. Podiam dormir ou jantar», lembra o anti-fascista, dizendo que na altura o país estava «completamente amordaçado». «Não tínhamos liberdade, não podíamos dizer o que queríamos, nem o que pensávamos, e víamos que a Europa em geral estava a tornar-se mais democrática», lembra, adiantando a O INTERIOR que soube que ia haver uma «grande revolução» dias antes dela acontecer. Os militares do Movimento das Forças Armadas (MFA), acompanhados por um elemento do Partido Comunista, jantaram na sua casa a 18 de abril, antes de rumarem ao quartel da Guarda para se encontrarem com o capitão Valente. «Eles disseram-me para me pôr a pau que brevemente ia haver uma revolução», recorda Victor Teixeira, que ainda perguntou para quando seria mas não obteve resposta.
Mas a revolução chegou mais cedo do que esperava e foi uma noite «de vitória, alegria e felicidade, pois o país libertava-se das amarras do Estado Novo», evoca o covilhanense, que, apesar de não ter estado preso, viveu de perto essa realidade enquanto membro da Comissão Regional de Socorro aos Presos Políticos no distrito de Castelo Branco. «Nós apoiávamos as suas famílias. A nossa missão era arranjar contribuições financeiras e outras que pudessem minimizar o seu esforço e dificuldades», explica Victor Teixeira, lembrando que, mensalmente, contribuíam com alguma importância em dinheiro ou mantimentos, por exemplo. «O Governo da altura não estava preocupado se morriam à fome», acrescentou o atual secretário da Santa Casa da Misericórdia de Belmonte, segundo o qual na altura o homem era «o principal sustento» de uma família.
Hoje considera que Portugal é «um país livre e alegre, se não somos mais é porque não queremos». Além disso, «temos na mão aquilo que antigamente não tínhamos: a liberdade de escolher os nossos dirigentes e de fazer o que queremos», constata Victor Teixeira, que atualmente se considera um homem de esquerda no social. «Mas sou capaz de ser um homem de centro-esquerda na economia», refere, justificando que «esta vivência de 40 anos deu-me uma visão da vida mais concreta do que aquele idealismo que tinha antes do 25 de abril».
Sara Guterres