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Retomar a agricultura

Pertenço a uma geração que viu a agricultura como um dos símbolos do proclamado atraso civilizacional português.

A agricultura em Portugal, associada a uma certa forma de encarar a vida e a sociedade ao gosto do Estado Novo, era a agricultura do arado e da junta de bois, do folclore das ceifas e malhas, era, enfim, a atividade do pobre mas honrado camponês, pilar da integridade e garante da pureza de costumes da pátria.

A agricultura era o espaço das localidades sem luz elétrica e saneamento, era o lugar dos xailes e dos lenços pretos na cabeça, era o lugar das populações analfabetas e dos futuros sem esperança.

E era também a atividade madrasta, que não garantia o sustento dos seus filhos e que os atirava pelas estradas da Europa para os bairros de lata da França ou Alemanha em busca de um futuro que a vida na terra pátria não lhes oferecia.

Carregados destas imagens de negatividade que sempre associáramos à atividade agrícola, foi com alívio e alguma dose de bem intencionada esperança que, com a adesão à CEE, embarcámos num sonho de industrialização que, para muitos, significava o reto caminho para atingir a civilização, para largar de vez os resquícios medievais do país e para recuperar do atraso em que trotávamos na peugada dos restantes países europeus.

Aceitámos, pacífica e docilmente, que, salvo nalgumas poucas regiões, a agricultura portuguesa deveria entrar em liquidação acelerada. Recebemos alegremente os subsídios para abandono da atividade agrícola. Pactuámos com as regras que mandavam, numa mesma região ou local, ora plantar isto e no ano seguinte semear aquilo, ao sabor das determinações de Bruxelas e fomos deixando que as nossas terras ficassem cada vez mais abandonadas, sem gente e sem utilidade, salvo a de servirem de alimento aos incêndios em cada verão que passa.

Ao mesmo tempo, sonhámos com uma industrialização do interior, alimentada por uma qualquer deslocalização nacional ou internacional de atividades, que nos traria o tão desejado desenvolvimento que a agricultura nos negara.

Mas os sonhos não se concretizaram. Alguma da indústria instalada no interior partiu com maior velocidade que aquela com que chegou, a atividade industrial pré-existente foi definhando e ficámos com os reluzentes parques industriais, construídos em cada concelho, reservados para albergar, na sua maior parte, pequenas unidades comerciais ou de prestação de serviços que não puderam nunca absorver a mão-de-obra libertada da atividade agropecuária. A crise atual agudizou o problema, acrescentando um exército de desocupados provenientes da retração da indústria de construção.

Sem indústria e sem agricultura, a partida é a única solução para quem fica desocupado no interior, engrossando assim, as estatísticas do despovoamento.

O combate a esta situação terá de fazer-se pela retoma e valorização das atividades agrícolas e pecuárias. É urgente encarar com seriedade o potencial de desenvolvimento para o interior destas atividades e apostar decisivamente no seu papel criador de riqueza e garante da ocupação efetiva dos territórios.

Retomar a agricultura, valorizando as práticas e produtos tradicionais, apoiando e incrementando a produção de qualidade, tem de ser um eixo estratégico fundamental no desenvolvimento da nossa região.

Por: Carlos Camejo Martins

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