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Responsabilidade pública

Editorial

1. A queda do BES é um impressionante escândalo financeiro, com terríveis consequências económicas e sociais e cujas consequências ainda não estão completamente percebidas. A família Espírito Santo caiu com estrondo, mas a verdade é que ainda ninguém foi preso, nem ninguém tem culpa pelo estouro de um dos maiores bancos portugueses. Entretanto, os clientes protestam e vão conquistando a opinião pública para a sua causa. A incapacidade do sistema detetar tamanha irregularidade nas contas do BES é deplorável, que o regulador tardiamente tenha percebido os golpes de Ricardo Salgado é lamentável, mas quem comprou ações ou “papel comercial” ou outro tipo de aplicações no Banco Espírito Santo sabia, tinha a obrigação de saber, que todas aplicações financeiras têm sempre uma margem de risco. E arriscar foi uma opção pessoal. Por isso, por muito legítima que seja a sua reclamação, esperar ser ressarcido por aquilo que perderam é compreensível mas inadequado. Os «mercados» são assim. No Novo Banco foram injetados 4.900 mil milhões para evitar a sua falência e o risco sistémico. Dinheiro que saiu do fundo da banca e, saber-se-á, do Orçamento de Estado para evitar o colapso do sistema e que não pode, não poderá ser, utilizado para ressarcir quem comprou. Quem investe fica com os lucros quando ganha e assume os prejuízos quando perde. O Novo Banco se for vendido por menos de 4.9 mil milhões (como se prevê) irá dar muito prejuízo ao fundo e ao país, mas não queiram que os contribuintes ainda tenham de pagar mais. O que os contribuintes querem é saber onde andam os responsáveis e perceber porque razão a Justiça ainda não prendeu ninguém – porque motivo Ricardo Salgado e demais membros da administração ainda não estão na prisão?

2. Estranhamente, quando se começou a falar da “lista VIP” a maioria dos comentadores afirmou que era inadmissível a existência de uma “lista” de nomes de pessoas «importantes» aos olhos do fisco. E, de imediato, toda a gente passou a criticar as Finanças (AAT) por terem criado um mecanismo de alerta para detetar bisbilhoteiros. E o presidente do Sindicato passou logo a ter direito de antena para defender os 140 curiosos a quem foram abertos processos e atacar o Estado (governo) por perseguir os zelosos funcionários. O assunto foi politizado e o governo, que deveria ter assumido a existência da lista, que a devia ter defendido e estendido a todos os portugueses, enxotou a água do capote e mandou as responsabilidades para cima dos dirigentes das Finanças que se demitiram. Ora, o princípio da “lista VIP” é o princípio errado da exceção e do favorecimento, pois todos os portugueses devem estar nessa lista. E o «direito à reserva da intimidade da vida privada» é um direito constitucional. Obviamente, que as pessoas públicas estão mais expostas e há mais bisbilhoteiros a espreitar os dados dos VIP’s do que os da gente incógnita. Mas que 140 funcionários das Finanças tenham andado a “espreitar” os dados de pessoas conhecidas, por curiosidade ou para depois irem contar à mesa de café ou vender a revistas é lamentável. Ou seja, ainda bem que há lista e eu quero fazer parte dela, pois não me agrada que um qualquer funcionário do fisco ande a coscuvilhar para saber quanto é que pago pela escola dos meus filhos, ou quanto é que ganho, ou pago de casa, ou devo… e todos os portugueses têm o direito de estar nessa lista, porque todos temos o direito a ser protegidos dos curiosos e dos bisbilhoteiros. Porém, como quase sempre em Portugal, o debate foi limitado à responsabilização política pela autoria da lista e a discussão passou a ser se Paulo Núncio sabia ou não sabia e se se demitia ou não se demitia. Eu quero lá saber se Paulo Núncio é ou não autor moral da “lista” e se se demite ou não. Eu quero é estar na lista; eu não quero viver num país em que um funcionário tem o direito de bisbilhotar informação reservada sobre um cidadão cumpridor.

3. Herberto Hélder era o maior poeta português vivo. Quis sempre ser um poeta oculto e foi com descrição que viveu até aos 84 anos. Resta-nos “A Morte Sem Mestre” porque o Mestre partiu «e já nenhum poder destrói o poema».

Luis Baptista-Martins

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