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Remates à barra (do tribunal)

observatório de ornitorrincos

Os processos judiciais apresentados por políticos e outras figuras públicas contra jornalistas e colunistas de opinião são um tema que me preocupa. Porque eu não tenho nenhum. Sinceramente, eu já devo ter ofendido alguém. Nem que fosse por interpretação subjectiva. Ou objectiva, no caso dos militantes do Bloco de Esquerda. Admito com pena que a atitude mais sensata seja não voltar a ler esta coluna. Mas o que eu queria era um bocadinho de insensatez e um processo judicial. Ou uma carta de protesto ao Provedor dos Leitores (que O Interior não tem, e só por isso merecia um processo-crime contra a liberdade de expressão dos vários provedores de leitores que andam por aí silenciados).

Nunca terei difamado ninguém, além de mim próprio? (A propósito, será possível uma acção judicial minha contra os meus artigos? Se não houver outra solução, essa satisfaz-me.) Por exemplo, não há feministas que considerem ofensivas as minhas constantes referências à pornografia? Ou sindicalistas incomodados com as alusões às classes trabalhadoras? E se eu citar Oscar Wilde? “O trabalho é o principal problema das classes que bebem”. E Wilde era homossexual. Senhoras e senhores da ILGA, olhem aqui uma referência totalmente despropositada à sexualidade do escritor. Isto não configura um delito de homofobia? Deve haver uma lei qualquer que impeça um colunista de falar de literatura e acrescentar “e o autor é homossexual”. (Pensando melhor, talvez não haja. Seria o fim da crítica literária.)

E Deus? Já escrevi várias vezes que não acredito na sua existência. Senhores bispos da Conferência Episcopal, quando nego a razão da vossa actividade pratico uma heresia. Bem sei que o direito canónico não tem aplicação universal, mas não me importo nada de ser chamado a um tribunal eclesiástico para ser confrontado com a difamação suprema de renegar a crença na divindade. Se Deus existe, que me processe. A mim e a todos os descrentes. Já estou a imaginar Nietzsche, Feuerbach e Maradona (por apropriação indevida da Sua mão) a serem intimados pelo anjo Gabriel, para comparecer perante o Supremo para responder por declarações injuriosas. Por questões de imparcialidade, este caso não deveria decorrer em Portugal, onde os processos andam ao Deus dará e as sentenças são as que Deus quiser.

Senhor ministro da Justiça, alguém actue sobre o desrespeito cometido no parágrafo anterior, se faz favor. Senhores juízes, o que é isto? “Ao Deus dará”? Não haverá ninguém desocupado no Ministério Público que trate disto como deve ser? Deixem lá as velhinhas que roubam cremes e tenham atenção ao que se escreve em colunas de opinião com nomes de bichos esquisitos. E essa é outra. Observatório de Ornitorricos? Associações de defesa dos direitos dos animais, levem-me a tribunal e obriguem-me a mudar o nome da coluna. “Biologia intrigante”? “Origem duvidosa”? Não acredito que isto seja menos ofensivo que chamar palhaço a um presidente de um governo regional. E na série dedicada às profissões, não houve um único profissional indignado com as iniquidades escritas nestas páginas? Tenho a certeza que escrevi pelo menos uma frase que possa ser considerada atentatória da dignidade como ser humano das pessoas que se dedicam aos ofícios que aqui fui descrevendo. Nem a minha mãe, sobre quem menti ao dizer que me batia com um chinelo (na realidade era com uma colher de pau ou um berbequim, dependendo do que estivesse mais perto), tomou a iniciativa de me fazer apresentar perante a justiça. A única conclusão que posso tirar é que ninguém lê estes textos e ando a escrever para o boneco.

Claro, é mesmo isso. Boneco, tu és um grande palhaço.

Por: Nuno Amaral Jerónimo

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