É preciso tempo para ler. É preciso tempo para ver. “Sensibilidade e Bom Senso” exige esse tempo, e a oportunidade de pausar, não imediatamente, mas de um modo subtil para que possamos envolver-nos no espírito de toda uma época. Confesso que não absorvi tudo o que haveria para absorver, talvez por o livro me ter chegado às mãos no tempo errado, ou porque simplesmente esbarrei num mundo que nada tinha a ver com a última Inglaterra que havia deixado.
Antes de me dirigir para esta obra já sabia de antemão que não estava perante o romance mais aclamado de Jane Austen, mas ainda assim quis começar por aqui, por ser o primeiro, por não ser o melhor. Como apresentar-vos então um livro que – apesar de avançar frouxamente, e perder-se não raras vezes em descrições – nos deixa rir sobre um drama que nada tem a ver com o nosso? Como colocar-vos nas mãos uma história que confina a mulher a sucessivas prisões?
Paralisadas numa sociedade claustrofóbica, as mulheres profundamente aqui descritas pretendem afirmar (salvo raros corações) o seu lugar no mundo com um bom casamento e uma volumosa fortuna. A partir deste ponto, Jane Austen dá-nos um retrato difícil da condição feminina, e introduz-nos uma paisagem que nem sempre nos atrevemos a espreitar. As meninas Dashwood aparecem-nos em primeiro plano, e é através dos seus medos e angústias que nos afastamos das conquistas que o nosso tempo já assume como garantidas.
Elinor, a mais reservada, toma conta de todas as tarefas desagradáveis da vida prática, ao mesmo tempo que adquire sentimentos altruístas sobre os indivíduos em geral; Marianne, a que possui características que mais a aproximam à sua progenitora, aponta o cinismo da vida doméstica enquanto encerra dentro de si uma sensibilidade trémula em cada aflição. Mas mesmo nos instantes em que é empurrada para a mais fastidiosa companhia, a família Dashwood nunca sente pena de si mesma pelos escassos meios que a rodeia.
A narrativa convida-nos a olhar para a pintura da vida doméstica, própria das aldeias do campo, que por ser restrita a um código universal de lazer não fecha a porta às suas trivialidades e influências, nem tampouco aos seus impulsos.
Resgatando vozes de outrora, a autora em momento algum promulga mudanças ou defende abertamente os direitos femininos, deixando para o leitor a mais árdua tarefa. E embora as primeiras folhas possam parecer ingenuamente românticas, a verdade é que é a ironia o modo de expressão preferido da Jane.
Um livro para (homens e mulheres) desfolharem, sem pressas.
Melanie Alves*
*A autora escreve de acordo com a antiga ortografia