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Reflexões

Razão e Região

1. Regressado de Santiago de Compostela, onde tive a oportunidade de fazer, no «Club Internacional de Prensa», uma conferência sobre «Media e Poder: mudanças e perspectivas nas relações entre política, media e comunicação», pude confirmar, mais uma vez, a enorme afectividade que nos liga e a naturalidade com que comunicamos nas nossas próprias línguas. Quase me arrependi de ter feito a conferência em espanhol. Depois, mais uma vez, pude confirmar o que sempre sinto quando vou a Espanha: a força da «calle» e da «plaza». A ocupação literal do espaço público, nos momentos de pausa. As «tapas». Um bulício humano permanente que contrasta com aquelas sociedades que se encerram no isolamento de betão para a «movida» virtual em monitor. Regresso sempre com vontade de lá voltar. Eu, que nasci ali ao lado, tão perto da bela Salamanca, e que já vivi fascinado por Roma, mas que nunca me tinha aproximado deste extraordinário país. Desta vez, quase nem me apetecia sair do Hotel: esse belíssimo Hostal Reyes Católicos, palácio monumental que integra aquele conjunto fantástico que constitui a Praça do Obradoiro. Vi lá, em Santiago, um Sisa Vieira bem interessante e vi, também, um mercado lindíssimo, o «Mercado de Abastos». Mas também devo confessar que «A Taberna do Bispo» bate tudo em «tapas». No regresso, fico sempre a olhar, cá de cima da estrada, para a beleza extraordinária da baía de Vigo.

2. Do lado de lá do Atlântico (estou a escrever antes de serem conhecidos os resultados), pode chegar-nos a mudança nesse grande País que é os Estados Unidos. Estamos todos ansiosos, até porque, depois de tantos problemas de impacto mundial (do petróleo à crise financeira, ao Iraque), em muito devidos a erros de opção política dos EUA, se espera que uma mudança possa melhorar as coisas. Não que um homem possa resolver todos os problemas, mas certamente porque esse homem pode significar uma mudança nas opções políticas desse grande país. Claro, tal como os homens não podem, só com a força da vontade, mudar radicalmente os sistemas, também os sistemas não sobrevivem só por si sem a «animação» dos homens. Uma coisa é certa: estas eleições demonstram à exaustão que hoje se vive em campanha permanente e que estamos perante uma extrema personalização da política. E essa personalização só a televisão a pode dar. A política «broadcasting» continua a ser dominante. Mas também é verdade que as relações interpessoais (agora com os novos meios digitais) vêm ganhando um novo fôlego.

3. Falando com um amigo autarca acerca de uma lei, que envolvia as autarquias, recentemente aprovada pela Assembleia da República, verifiquei que ele ficara constrangido porque, dizia, não os ouviram e, por isso, os Municípios mais pequenos ficaram prejudicados. Disse-lhe que se tratava de uma lei da Assembleia, que essa lei fora aprovada com os votos do seu próprio partido e que, afinal, ainda vivíamos numa democracia representativa. Ficou pouco convencido, mas colaborante. Essa lei, afinal, também envolvera a Associação Nacional dos Municípios, até por imperativos legais. Mas esta conversa fez-me pensar de novo nas grandes mudanças substantivas que estão a acontecer no interior da própria democracia representativa. Sobretudo numa: pelo que se ouve, vê e lê todos os dias, parece que já se fez tábua rasa daquele que é o princípio sagrado da democracia representativa: o princípio de que quando elegemos os representantes lhes confiamos um mandato para quatro anos, mandato que é irrevogável e que, por isso, é necessariamente um legítimo mandato de confiança. O «tam-tam» permanente dos media, sempre «on line», 24 horas em 24 horas, parece estar a pôr permanentemente em causa, e cada vez mais, esse mandato e o próprio princípio da maioria. Como se estivéssemos a caminhar em grande velocidade para uma democracia directa de novo tipo, onde o poder electivo tem de reconquistar a sua legitimidade todos os dias, de preferência à hora do telejornal. Precisamente tal como as televisões têm de conquistar todos os dias as suas audiências, sabe-se lá à custa de quê! O objectivo delas tem de ser, por isso, o «interesse do público». Mas será que, em política, o «interesse do público» coincide necessariamente com o «interesse público»? Como compreendo esse autarca meu amigo! Afinal, ele limitou-se a colher o espírito dos tempos!

Por: João de Almeida Santos

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