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Reflexões (em dia de libertação)

Crónica Política

Escrevo estas palavras na tarde do Domingo de Páscoa (imbuído de um verdadeiro espírito de libertação).

Na clássica Ciência Política (que um novíssimo estudante da área, trata indistintamente como Filosofia Política e Teoria Política), a crucial discussão acerca do fundamento e do móbil da intervenção política é saber o que norteia/determina a atuação dos responsáveis da Polis: os Valores ou os Interesses.

Academicamente, a nível dos grandes pensadores, encontramos recorrentemente duas teorias ou teses em confronto acerca do comando do mundo e da humanidade: a Teoria dos Valores e a Teoria dos Interesses.

No plano dos princípios, todos gastaríamos de defender que os valores (entre outros, o bem comum, a igualdade de oportunidades, a dignificação da vida das pessoas) é que deveriam comandar a atuação e as opções políticas. E, no plano axiológico, tem-se entendido que a democracia é o melhor sistema político para promover tais valores, porquanto são as pessoas, os cidadãos (as chamadas bases da sociedade e, numa democracia representativa, as bases dos partidos) a determinar as opções, confiando de baixo para cima, a representação política.

O pensamento acerca dos valores encontra-se em Aristóteles e tem vindo a ser defendido por vários pensadores ao longo da história. Na filosofia aristotélica, a política é a ciência que tem por objeto a felicidade humana e divide-se em ética (que se preocupa com a felicidade individual do homem na polis) e na política propriamente dita (que se preocupa com a felicidade coletiva da polis). O objetivo de Aristóteles com a sua Política é justamente investigar as formas de governo e as instituições capazes de assegurar uma vida feliz ao cidadão. Por isso mesmo, a política situa-se no âmbito das ciências práticas, ou seja, as ciências que buscam o conhecimento como meio para ação.

É hoje consabido que este plano ideal da conceção da política, capaz de contribuir para uma ordem política, social e económica ao serviço das pessoas e do bem comum, é contrariado pela prática, quer à escala planetária (global), quer à escala da proximidade, nas opções para um município ou uma freguesia.

A nível mundial, europeu e nacional, existem verdadeiros diretórios de interesses que comandam a “realpolitik”. Os interesses da “realpolitik” sobrepõem-se aos valores e o bem comum é afastado por interesses localizados de grupos ou de influências que determinam, influenciam e comandam as decisões.

Thomas Hobbes corporiza o pensamento dos interesses, os quais, com um poder forte sobre os cidadãos, podem ser promovidos. O autor, na verdade, funda a visão moderna de Estado. As leis e o governo não têm a função de realizar a síntese dos interesses particulares dominantes na sociedade, mas garantir apenas um interesse comum: a paz e a segurança individual. E para poder realizar este interesse comum o poder político precisa ser autónomo em relação a todos os interesses particulares. Hobbes promove uma revolução: não é mais o indivíduo que existe em função do Estado, mas é o Estado que deve existir em função do indivíduo. E mais que isso, o Estado e a Sociedade são fundados e ordenados a partir da vontade livre de indivíduos. Na teoria de Hobbes percebe-se o fundamento essencial do Estado: a segurança individual, o desejo comum de viver em paz como aquilo que possibilita a convivência de indivíduos desiguais em sociedade.

O que funda o poder político e as relações sociais não é o respeito ao próximo (Moral); o temor a Deus (Religião); os interesses nacionais (Razões de Estado); a honra (Códigos da nobreza ou de ética). Mas sim o interesse próprio, o bem estar e a segurança de cada indivíduo na esfera da vida privada (Utilidade) que, num sistema liberal, são necessários para a prossecução dos interesses individuais ou de grupos.

Na teoria dos valores, «o valor é o que orienta o juízo das escolhas humanas, considerando a relação existente entre meios e fins, de tal modo que, não se podem julgar os fins a não ser julgando ao mesmo tempo os meios que servem para alcançá-los». (J. Dewey). O valor está presente no homem, nas atividades humanas e no mundo humano. O valor é o princípio norteador das escolhas humanas (os fins), o desejável, o preferível. É guia, norma das escolhas, por isso carece da consciência e da liberdade – porque só o sujeito consciente e livre é capaz de fazer escolhas.

Na teoria dos interesses, os fins é que são determinantes, independentemente dos meios (Maquiavel). A partir deste pensamento, tornado prática, as finanças virtuais, destroem a economia real e o desemprego e a pobreza, são males necessários para a manutenção do sistema. Porém, por vezes, o sistema ultrapassa os limites da sua contenção e gera verdadeiras explosões e conflitos.

Em conclusão, a atuação política deverá ser norteada por determinados interesses, desde que respeitem os valores essenciais e estruturantes. É o que não têm feito os que passaram a ser donos dos instrumentos da democracia representativa (partidos políticos) e os cidadãos acabam por já não estar pelos ajustes e procuram a libertação destes instrumentos que o sistema (através dos seus diretórios de interesses) não soube valorizar.

Por: Manuel Rodrigues

* Presidente da concelhia da Guarda do PSD

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