Estimo que esta te encontre de boa saúde, bem como todos os teus, que nós por aqui vamos levando a gestão do quotidiano em defesa do bem-estar possível após cobrança de impostos. Fomos aprendendo que a vida é dar e receber, mas lá fomos percecionando que se dá muito mais do que se arrecada. Muito frequente é a falta de agradecimento e reconhecimento, mas temos que entender que dar não tem recibo, logo não pode ser cobrado. Queríamos só um obrigado, uma lembrança na hora das decisões que lhes competem:
– E porque não eu às vezes?
Como sabes nasci na Venda da Esperança, na estrada que nos leva a Oliveira do Hospital. Não nasci na rua, mas na casa de minha mãe, onde fui feito e parido. Aprendi então que a vida é entrar e sair e o meu pai acabou por ser especialista nesse facto, pois os irmãos foram nascendo e ele era com frequência parteiro. Nem só dar, nem só receber, nem só entrar, porque é preciso sair.
Esta carta que te escrevo vem a propósito de me terem falado dos teus problemas familiares e da necessidade de te dizer que esta aprendizagem que fui tendo me leva a esclarecer-te que se a vida é dar e receber, entrar e sair, ir e voltar, também tem de ser meter e tirar, dar e levar. Não sei se me compreendes mas careço de te dizer, pela amizade que nos une, que é fundamento de família e mandamento de existência esta pérola natural: meter e tirar e depois repetir, toma lá, dá cá, até à exaustão.
Na praia o perigo é o ir e não voltar, no dinheiro é o depósito não ser resgatável. Lá está, o que sobe, pode descer, o que levanta pode cair. Por tudo isto, meu querido Florêncio, esta noção de luta de contrários, de dicotomias literárias, de antónimos e de conceitos filosófico político, fui comunista na infância e liberal na adultez. Sempre as duas, dúvida e certeza – sem as duas não haveria ciência.
E por hoje te deixo no desejo que ela engravide da dicotomia que lhe aplicarás. O teu incondicional amigo, Francisco Horta.
Por: Diogo Cabrita