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Querer é poder

Editorial

Virgílio Bento não aceitou a derrota nas eleições diretas na concelhia do PS. Sentiu-se traído e promoveu a clivagem entre os socialistas. Sabe que o ambiente é propício ao aparecimento de candidaturas designadas de independentes, pois os partidos são cada vez mais desprezados pela sociedade. Assim, o vereador eleito pelo PS procurou apoios e mobilizou os fiéis.

Encontrou ao lado, no PSD, uma concelhia ultrapassada pelos acontecimentos (a nomeação de Álvaro Amaro) e nunca devidamente respeitada ou considerada no interior do partido ou na sociedade. E nasce a mais estranha das alianças: o putativo candidato pelo PS, e número dois da autarquia nos últimos oito anos (depois de ter sido eleito vereador pela primeira vez em 1997 com Maria do Carmo Borges), com uma concelhia do PSD moribunda e naturalmente demissionária. Em comum têm alguns apoiantes e amigos. E porventura algumas ideias. Talvez até seja mais o que os une do que aquilo que os separa – e desde logo estão os dois irritados e abespinhados com os partidos de que são militantes há muitos anos e de que são ou foram dirigentes com responsabilidades.

Se Manuel Rodrigues esperou tempo de mais para ser o escolhido e acabou enxovalhado e excluído, pedindo a demissão tardiamente, Virgílio Bento, depois de recusar qualquer aproximação à candidatura “oficial” do PS, assegura que irá avançar com uma candidatura sem sigla partidária (esteve prevista para o fim-de-semana). Mas antes de o fazer também devia pedir demissão. Bento foi eleito pelo PS, numa lista partidária e plurinominal. Se quer parecer independente tem primeiro de o ser. Não pode continuar a usufruir das benesses de um sistema partidário que critica e contra o qual quer agora lutar. No mínimo tem de passar formalmente a ser vereador sem pelouros (demitindo-se do PS cujas regras agora considera abjetas). Compreende-se e até se aplaude o espirito de rebeldia ou mesmo o distanciamento ao sistema partidário cada vez mais dominado por peões de baixa estatura moral, intelectual e política, mas não se pode admitir falta de coerência na atitude.

A Democracia assenta num sistema partidário que podemos detestar, mas que é o resultado das dinâmicas e interesses, das ideias e regras, dos percursos e objetivos, daqueles que os integram. Os partidos são o reflexo da sociedade, onde pulula muita gente oportunista e habilidosa, mas também são os que os integram e não se revêm nas tricas, esquemas e habilidades que podem e devem mudar as coisas por dentro. Se não o fazem é porque apreciam e corroboram o seu funcionamento até ao dia em que o sistema que alimentaram e de que foram cúmplices os “cilindra”. E é neste quadro que Virgílio Bento tem urgentemente de mostrar a diferença para não correr o risco de ser um epifenómenos de um par de semanas que azula antes de o sol se pôr. Enquanto Bento ziguezagueia, Igreja tem a redoma cada vez mais escura com um grupo de apaniguados que controlam tudo e todos – péssimo sinal da candidatura para a sociedade. E Amaro vai cantando a sua opereta, com maus intérpretes à volta, mas com a sapiência de quem leva anos a fazer o mesmo. A campanha promete, mas o resultado das eleições poderá vir a ser uma tragédia para a Guarda. Nada a que não estejamos habituados.

Luis Baptista-Martins

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