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Querem pintar a Sé de roxo?

Pelos 14 anos, quando amigos vindos de férias diziam que a Guarda era feia, que em Lisboa é que era bom, a Figueira da Foz, Coimbra, nunca concordei e chamava-lhes a atenção para um ror de coisas lindas da Guarda.

Um amigo norte-americano que tinha conhecido em Paris veio à Guarda. Existiam os cafés Cristal, Monteneve e Mondego. Ficou encantado, esmagado, com o charme desta cidade fria, linda, simples, de granito. O que dói é não termos esses três cafés antigos, com as pedras gastas pelo uso. É mesmo uma grande pena que tais espaços de convívio tenham desaparecido…

Do Largo da Misericórdia via-se bem a serra espanhola da Penha de França. Agora temos um tapume que arruinou aquela vista longínqua… Da Rua Mouzinho de Albuquerque, a da Drogaria Alcides, que já não existe, via-se a Serra da Marofa, agora vemos um tapume… Tínhamos a sensação de viver numa cidade altaneira, era ótimo! O Largo do Cinema era calmamente bonito e agora está como está…! Aquela belíssima estátua, a musa de Augusto Gil, há-de estar triste e, tão bela, morre de saudade do seu largo antigo…

Vi a Praça Velha esventrada, aquando da mudança do pavimento. A calçada antiga, a que estava habituado, tinha sido retirada e a Praça estava esburacada…! Senti, literalmente, náuseas. O que é isto? Acontece! Grande tristeza! Nada a fazer…

Além das perdas que apontei há outras e sei que muita gente lamenta. Com mais ou menos rapidez ou consciência, a sensação de perda, pelo desaparecimento de ambientes ou património citadino vem surgindo.

Contribuir para minimizar a sensação de perda, de desajuste e de indignação é o objetivo deste texto. O pretendido é tentar sensibilizar a autarquia para este assunto. A viva polémica acerca de projetos que a autarquia pretende levar a cabo não tem passado despercebida, quer nos meios de comunicação regionais quer nos nacionais. Chegou até mim informação acerca de alguns projetos da edilidade que sou obrigado chamar a atenção.

Não compreendo a necessidade de requalificar o Parque Municipal, compreendo mantê-lo dignamente. Por ter sido abandonado anteriormente, não justifica mudar-lhe o carácter! Para quem frequentou assiduamente o Parque é uma verdadeira afronta ouvir falar da morte de árvores, as amigas antigas e generosas, de levantar muros de vários metros, aterrar um enorme número de árvores, pavimentar com betonilha!… Parece um filme de terror! A betonilha vai contra todos os princípios de ecologia. Gonçalo Ribeiro Telles chama a atenção para a impermeabilização dos solos há décadas! E também betonilha no Jardim José de Lemos? Como é possível? O cheiro a terra é bom, natural e o solo respira, mas sem betonilha! E a betonilha com gelo pode ser muito perigosa, estamos na Guarda! E porquê arrancar o bucho do jardim? Não confina subtil e cabalmente os limites do jardim? O jardim como o Parque foram bem pensados como espaços, mudar porquê?

Sobre um elevador na Torre dos Ferreiros também não compreendo! A dita não é muito alta. Subi lá muitas vezes e não se justifica um elevador e, muito importante, mancha o perfil daquela torre antiga e austera.

Outra ideia absolutamente chocante é partir o muro do Largo da Misericórdia! Que pesadelo! É verdadeiramente desgostoso, profundamente frustrante, pensar que aquele muro pode desaparecer! A Guarda é uma cidade de granito! Como é possível alguém, sequer, alvitrar tal ideia? Não sei se cumprimente o autor pela originalidade…! Mas, a vir a acontecer, que muitas pessoas da Guarda ficarão molestadas na sua estrutura mais essencial, mesmo não se dando conta, nem questionando, ai isso vão! É um assunto sério. Será que querem pintar a Sé de roxo?

A autarquia tem feito melhorias e iniciativa em vários campos. Não vamos negar nem ser do contra porque sim ou por razão alguma, não tem sentido não ter em conta o que se faz bem. Em todo o projeto há um princípio de construção, de esforço, de melhoria. Mas tem de ser em prol de todos, em geral, e de cada um em particular, como diz J.J. Rousseau. Tal premissa nunca devia estar em questão. É desejável informação e transparência acerca dos projetos. É também desejável que a população da Guarda e todos os que lhe têm amor se sintam identificados com a mesma, em harmonia, em casa. É uma questão de afetos, da história da vida das pessoas, de hábito, como diria David Hume. Passamos milhares de vezes por um local e ele torna-se parte de nós. Daí pedir cuidado com mudanças que podem trazer o sentimento de perda de que falei acima.

Rogério Orlando Cardoso Pires, Guarda

Comentários dos nossos leitores
Vitor Santos marquesantos@gmail.com
Comentário:
Subscrevo, inteiramente, as ideias do autor. Não descaracterizem a Guarda, por favor! Para beneficiar não é, necessariamente, preciso, deitar abaixo.
 
luis mário luis.cunha.dux@gmail.com
Comentário:
em tudo de acordo excepto no “pedir cuidado”. Não se pede… exige-se. E o melhor é estarem quietinhos… pelo menos não estragam!
 

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